Se a culpa é dos capitalistas, a solução também é

Deixemos a ingenuidade e as ilusões de lado: a sociedade em que vivemos é excludente. Nós criamos redomas que nos permitem viver num mundo que não é um lugar justo. Muitos não conseguem perceber isso com clareza, pois criam seus filhos em condomínios encastelados, que vão para escolas encasteladas em carruagens motorizadas, blindadas, com ar condicionado.

Para divertimento e para fazer compras, quem pode segue para shoppings encastelados. O escritório agora fica no mesmo endereço. Tudo muito prático e cômodo para esquecer a cidade que pulsa lá fora.

Mas um dia é preciso resolver um assunto no centro antigo, e a realidade se apresenta sem anestesia: pessoas dormem em caixas de papelão na soleira da porta de um edifício que outrora foi símbolo do progresso. Gente pede dinheiro nos calçadões. Maltrapilhos fedorentos caminham lado a lado com alguns senhores engravatados que ainda não desistiram do lugar onde fizeram a maior parte de suas carreiras.

Muitos vão e vem, tentando construir suas vidas, parando por cinco minutos para comer um pastel na padaria que serve café para investidores milionários, que aprenderam a evitar sinais de riqueza, por amor a uma São Paulo que não existe mais.

Se a gente tem um pingo de sensibilidade na alma, é impossível manter a indiferença diante de tantos contrastes. Se pudéssemos, ajudaríamos todos que padecem nas guias e sarjetas das ruas onde ônibus passam lotados e carros seguem apenas com o motorista falando ao celular.

Então, percebemos que somos impotentes.

O QUE FAZER?

Temos duas opções: ficar revoltados contra o sistema a ponto de querer sabotá-lo, ou jogar de acordo com regras que não estabelecemos, mas buscando dentro de nossa ética e valores morais nos tornar pessoas melhores, que um dia poderão influir positivamente em nosso entorno.

Ainda assim, não é fácil. Alguns de nossos professores nos ensinaram que os capitalistas são porcos gananciosos, que exploram a força de trabalho de uma multidão para enriquecer cada vez mais. Alguns líderes religiosos fazem questão de afirmar que o dinheiro é sujo, que não devemos nos pautar em função de acumulá-lo.

Ironicamente o dinheiro que é deitado no altar não é sujo? Ou é sujo apenas no bolso do trabalhador?

O dinheiro em si não é sujo por definição: ele é muito útil quando tratado com parcimônia. Igrejas sérias constroem hospitais e universidades com ele. Empresas sérias geram empregos e progresso com ele. O dinheiro, na forma de impostos, permite a governos sérios atenderem a sociedade nas questões de saúde, segurança, educação, transporte e saneamento básico. O dinheiro em si mesmo não é o culpado pelas mazelas da sociedade, mas ele pode ser usado para combatê-las. Sujo é quem desvia estes recursos para outros fins.

BATALHAS MENTAIS

O apelo entre os jovens para se revoltar contra o sistema vigente é muito atrativo. Mas toda revolução precisa de líderes. Aqueles que são contra o capitalismo (que longe de ser um sistema econômico perfeito é o único que permite mobilidade de classes sociais) tratam de criar figuras que possam se tornar catalisadores de uma geração. Logo, essas pessoas não são afeitas aos valores democráticos: quando uma nação se ajoelha diante delas, ditadores surgem para ocupar o poder durante décadas.

Certos discursos religiosos seguem numa linha semelhante: não podemos nos virar por conta própria, pois devemos ser dependentes dos desígnios divinos. Porém, se admitirmos que fomos criados a imagem e semelhança de Deus, recebemos dele o grande dom divino do livre arbítrio. Isso quer dizer o seguinte: estamos sós e por nossa conta. Ninguém vai descer lá de cima para nos ajudar, pois o pessoal lá de cima espera que a gente decida se ajudar.

Se vivemos por nossa conta e risco, onde teremos mais chances? Numa democracia que permite liberdade de crença, cujo sistema econômico é financiado pelo capitalismo, com todos os seus contrastes; ou numa ditadura de viés comunista, cujo único Deus aceito é o líder do partido, que cuidará de distribuir a pobreza para todos?

Com toda essa guerra de conceitos atordoando as mentes das pessoas, muitas delas se mantêm afastadas das Bolsas de Valores. Elas acreditam no mito de que a Bolsa é um lugar de cobras e lagartos que só pensam neles mesmos. Elas seguem atônitas quando veem a miséria nas ruas e se conformam em doar algumas migalhas para a caridade.

Mas através das Bolsas, essas pessoas poderiam fazer muito mais, no longo prazo.

UMA VIDA DEDICADA AO PRÓXIMO

Tomemos como exemplo uma reportagem da Revista Época Negócios, publicada em 08 de maio de 2018, sobre a secretária Sylvia Bloom. Ela fez longa carreira num escritório de advocacia em Nova York e se aposentou somente aos 96 anos de idade, pouco tempo antes de falecer em 2016.

Bloom teve uma vida regrada, sem luxos e ostentação, mas através de investimentos no mercado de capitais, acumulou uma fortuna de nove milhões de dólares, algo em torno de trinta milhões de reais, dos quais mais de vinte foram doados para o Henry Street Settlement – uma organização de mais de 125 anos que presta serviços sociais para a comunidade carente, com programas de assistência médica e incentivo às artes.

Quase sete milhões de reais do espólio de Sylvia Bloom foram divididos entre o Hunter College, onde ela estudou de noite enquanto trabalhava de dia (alguma semelhança com alguém que você conhece?) além de um fundo de bolsas de estudos a ser criado.

Sylvia Bloom provavelmente não será beatificada. Seu rosto não estampará camisetas e paredes cegas em edifícios públicos de alguma república do Caribe. Mas a sua longa vida dedicada ao trabalho e aos investimentos terá feito mais pela sociedade – e pelos que mais precisam – do que muitos rebeldes que apontam o dedo para gente que deseja estudar, trabalhar, investir e empreender, como se estes fossem os únicos culpados pelas injustiças desse mundo.

Uma pessoa de fé que caminhe pelo centro antigo de São Paulo se sentirá tocada pela miséria que assola a vida de incontáveis solitários. Essa pessoa, que antes não saberia como fazer para ajudar tanta gente, agora tem um caminho para trilhar. Não junto de cobras e lagartos, mas ao lado de gente anônima como Sylvia Bloom.

ACESSO RÁPIDO
    Jean Tosetto
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