Jaiana Cruz

Ações negociadas a preço de banana e investidores com medo de dor de barriga

O Brasil está repleto de Polianas. Alguns são bons em operar curva de juros, outros são bons em escrever cartas e a maioria deles é excelente pagadora de impostos. Mas todos eles costumam ser péssimos em analisar cenários de risco

Pollyanna era uma criança encantadora. Tinha paixão pela vida, pelas pessoas, era alegre e encarava tudo com muito otimismo. Ficou órfã de mãe ainda muito pequena e aprendeu desde cedo o “Jogo do Contente”, uma brincadeira cujo desafio era encontrar motivos para sorrir todos os dias, mesmo nos momentos de tristeza. A ideia era enxergar o lado bom das coisas em qualquer circunstância. Por infelicidade do destino, aos 11 anos de idade, ela ficou órfã também de pai, e teve que ir morar com a tia, uma senhora rica, porém solitária, triste e rancorosa.

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Totalmente o oposto de Pollyanna. Sofrendo com os maus-tratos da tia, a menina viu no “Jogo do Contente” um mecanismo de fuga que permitia ignorar aquela realidade. Sempre que começava a ficar triste, Pollyanna pensava em algo que a deixasse feliz ao mesmo tempo em que se esforçava para identificar o “lado bom” nas maldades da tia. A história não para por aí. E se você quiser saber o final, sugiro que leia o livro porque não sou de dar spoiler.

Escrito pela norte-americana Eleanor H. Porter e publicado originalmente em 1913, o clássico Pollyanna serviu de base para pesquisas científicas que analisaram a influência do pensamento positivo exacerbado em nossas vidas.

Segundo os estudos que foram publicados na década de 80 pelos psicólogos Margaret Matlin e David Stang, as pessoas que sofrem da Síndrome de Poliana tendem a enxergar memórias do passado sempre de forma positiva, mesmo que esses acontecimentos tenham sido ruins e negativos. Não por acaso, os psicólogos concluíram ainda que esses indivíduos demoram muito mais tempo para identificar eventos desagradáveis, perigosos e tristes.

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O Brasil está repleto de Polianas. Alguns são bons em operar curva de juros, outros são bons em escrever cartas e a maioria deles é excelente pagadora de impostos. Mas todos eles costumam ser péssimos em analisar cenários de risco.

No dia 27 de outubro deste ano, antes do segundo turno das eleições, recebemos do nosso então candidato à presidência da república a “Carta para o Brasil do Amanhã”. Com uma linguagem simples e empática, Lula enfatizava na carta, entre outras coisas, que “A reconstrução do Brasil exige uma gestão pública competente, responsável, aberta ao diálogo e com a mais ampla participação da sociedade. Exige (também) uma gestão da economia com credibilidade, responsabilidade e previsibilidade.” Essas palavras soaram como música para os ouvidos dos Polianas. Empolgados com a promessa de que dessa vez tudo seria diferente, eles acreditaram fortemente no “Brasil do Amanhã”. Afinal, “O Brasil do passado” nem foi tão ruim assim.

Menos de dois meses se passaram e os Polianas encontram-se agora assustados com o rumo do nosso país. Relendo a carta, eles observaram que, na verdade, “gestão pública competente” significava cargos e indicações ineficientes. Perceberam ainda que “economia com credibilidade, responsabilidade e previsibilidade” não passava de um eufemismo. O termo correto viria a ser conhecido como “PEC do Rombo Fiscal”.

O resultado de toda essa confusão já está está sendo precificado pelo mercado e investidores que tiveram sua primeira experiência com ações e fundos imobiliários em 2018, 2019 e meados de 2020 estão hoje se curvando aos encantos da renda fixa, realizando prejuízos enormes nas suas posições arrojadas e entupindo a carteira com títulos pós-fixados indexados ao CDI. Se eu estivesse redigindo esse texto há dois meses, diria que esses investidores estão “entrando no final da festa.” Ou seja, diria que eles estão vendendo bolsa barata e comprando taxa pós-fixada em ritmo de queda. Isso porque os indicadores macroeconômicos apontavam para um “respiro” na Selic. Em outras palavras, estávamos caminhando para um cenário de inflação controlada, juros parando de subir e economia voltando a crescer. Até o fantasma da irresponsabilidade fiscal aparecer na nossa frente e virar tudo do avesso.

Em se tratando de mercado de capitais, o que se vê hoje são empresas negociadas a preço de banana, mas que podem causar uma enorme dor de barriga nos compradores, já que o espaço para novas quedas parece nunca ter fim. E como muitos investidores já estão aguentando essa dor há bastante tempo, ao desconfiar que ela pode se tornar crônica, naturalmente estão preferindo eliminar o mal pela raiz e garantir o velho e bom 1% ao mês. Não é o ideal a se fazer. Mas é compreensível. Afinal, as expectativas são pouco ou quase nada animadoras.

Agora, verdade seja dita, nem tudo está perdido. Existe uma saída inteligente. E no caso da nossa economia, essa saída consiste na possibilidade de o novo governo pegar uma carona nos efeitos positivos do controle fiscal que vem sendo realizado nos últimos anos e nos resultados da brilhante política monetária conduzida pelo Banco Central. É visível que a pior parte já passou. O desafio agora seria manter a disciplina. Nesse cenário, a inflação voltaria a cair e o custo de capital ficaria mais barato.

Polianas diriam que o governo já trabalha com essa possibilidade. Céticos diriam que a probabilidade é de uma em um milhão. Realistas não dizem nada. Apenas compram B-35.

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Nota

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Jaiana Cruz
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