Bruno Muzzi

Distressed M&A

Distressed M&A é a aquisição de ativos ou participações de empresas sob estresse financeiro (do inglês “financial distress” e portanto distressed M&A)

Inauguramos essa coluna com um voo panorâmico sobre M&A para – a partir daí – abordar os principais temas em detalhes. O plano de voo original previa a abordagem do Distressed M&A um pouco mais à frente.

Em função dos recentes desafios que se descortinaram para empresas em situação de estresse financeiro, como a Americanas, Oi, CVC, Light, etc, entendemos que antecipar a abordagem desse tema é interessante para melhor contextualizá-lo. Pode-se abrir um universo de oportunidades para distressed M&A.

O que é Distressed M&A? 

Distressed M&A é a aquisição de ativos ou participações de empresas sob estresse financeiro (do inglês “financial distress” e portanto distressed M&A). O estresse financeiro pode ser configurado por uma simples dificuldade financeira da empresa (um descasamento temporário entre receita e despesa), por uma situação de insolvência, quando as dívidas excedem o valor dos bens do devedor, ou por já estar submetida a processo de recuperação ou falência.

Esses ativos podem ser (i) créditos de pessoas físicas, jurídicas e órgãos públicos; (ii) participações societárias em outras sociedades; (iii) alguma unidade de produção da empresa sob stress; (iv) algum ativo específico, como imóvel, marca, etc; ou (v) a própria empresa. 

Uma operação recente e que merece destaque envolveu a aquisição de ativos da Estre Ambiental (em recuperação judicial). A Orizon (empresa de gestão de lixo) e a Jive (gestora de distressed assets) pagaram 840 milhões por aterros sanitários da Estre Ambiental, sendo que a Jive já havia adquirido com deságio debêntures das instituições financeiras credoras da Estre. Como parte da estratégia para levantar esses recursos, a Orizon emitiu novas ações e as precificou com base na média dos últimos pregões e um prêmio de 16% em relação ao preço de tela.

Como surgiu?  

A aquisição de ativos em estresse consolidou-se na década de 1980 nos Estados Unidos, com a crise das associações de mutuários para financiamento da casa própria “Savings & Loans”. O Governo Americano, por intermédio da Federal Savings and Loan Insurance Corporation (FSLIC) precisou intervir em centenas de instituições financeiras e, posteriormente criou a Resolution Trust Corporation (RTC) que assumiu esse encargo e passou a vender e gerir os ativos sob estresse para investidores privados.

Criou-se assim um novo nicho de mercado representado por ativos sob estresse com preços atrativos e expectativa de alta rentabilidade para investidores com apetite a risco. Com o tempo, bancos de investimentos tradicionais, fundos de investimentos especializados e empresas de um modo geral passaram a visualizar neste segmento uma oportunidade de negócio. 

O Brasil e os números

Aqui no Brasil esse mercado começa a ganhar corpo a partir de 2000 com as apostas dos investidores internacionais (motivados pela desvalorização do real) e desde então conquistando importantes avanços para a negociação de ativos de empresas submetidas a processos de insolvência.

Antigamente, o comprador de um ativo estava exposto à responsabilidade sucessória dos passivos do vendedor. Com a Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falência), a aquisição de unidades de negócio independentes passou a proteger o comprador da exposição à responsabilidade sucessória dos passivos do vendedor.

Agora, com a Lei 14.112/2020 (apelidada de reforma da Lei de Recuperação e Falência), a proteção ao comprador em relação à responsabilidade sucessória dos passivos do vendedor passou a ser oferecida nos casos de aquisição de qualquer ativo não circulante, e não apenas nos casos de aquisição de unidades de negócio independentes. 

Nos últimos 05 anos (de 2018 a 2022), 5.698 empresas ajuizaram pedido de recuperação judicial. Esses números representam uma média aproximada de 1.140 procedimentos por ano e algo em torno de 95 empresas por mês, segundo dados do Serasa Experian.

Quais os atrativos? 

Esse é um mercado que assume relevante função econômica na medida. A injeção de recursos novos no caixa das empresas em dificuldade ajuda na reestruturação financeira da empresa (e quiçá em sua recuperação), com a manutenção de todo o ciclo econômico com empregados, fornecedores, impostos e consumidores (concorrência de preços).

Para as empresas em dificuldade, as vantagens são expressivas: levantar recursos; retirar do portfólio operações pouco lucrativas e/ou que consomem caixa; concentrar esforços no core business e/ou atividades com melhores resultados. Para os investidores, é na equação “high risk high reward” que está o jogo.

Quais as principais diferenças e riscos de um Distressed M&A. 

As principais diferenças entre um non-distressed M&A e um distressed M&A são: a dinâmica da negociação, pois deixa de ser bilateral entre vendedor e comprador e passa a envolver outras partes interessadas a exemplo de credores; o timing, pois enquanto o vendedor quer urgência na venda, o comprador quer tempo para avaliar o ativo; as aprovações pois além de eventual necessidade de aprovação por parte de órgãos reguladores como CADE, será necessário contar com a aprovação do juiz e/ou credores. 

Os principais riscos de um distressed M&A são: a operação ser declarada nula ou ineficaz e o comprador absorver por sucessão as obrigações e responsabilidades do vendedor. Esse último risco de sucessão nas obrigações e responsabilidades do vendedor é típica de toda e qualquer aquisição de ativos e/ou participação societária, mas merece especial atenção em um distressed M&A.  

A operação pode ser declarada nula nas seguintes situações: (a) fraude a credor, o que pode ser configurada quando um devedor já insolvente – ou que passa a ser insolvente em decorrência da operação – promove conscientemente a redução de seu patrimônio sabendo prejudicar credor pré-existente; (b) fraude à execução, o que pode ser configurada quando o devedor aliena ou onera bens enquanto tramita contra o mesmo uma ação judicial capaz de reduzi-lo à insolvência; (c) fraude contra a Fazenda Pública, o que pode ser configurada quando o devedor aliena ou onera bens estando em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa; ou (d) ineficácia de transações feitas em desacordo com as regras previstas na Lei de Recuperação e Falência (Lei nº 11.101/2005).  

O comprador pode absorver por sucessão as obrigações e responsabilidades do vendedor nas seguintes situações: (a) sucessão civil, pois o adquirente de estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados (Artigo 1.146 do Código Civil); (b) sucessão trabalhista, pois a alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados (Art. 10, 448 e 448-A da Consolidação das Leis Trabalhistas); (c) sucessão fiscal, pois o adquirente de fundo de comércio ou estabelecimento que continuar a respectiva exploração responde pelos tributos decorrentes da atividade (Art. 133 do Código Tributário Nacional); (d) sucessão ambiental, pois a legislação ambiental pune a atividade e impõe uma obrigação de reparação que acompanha a propriedade em caso de transferência (Art. 14 da Lei 6.938/81 e Art. 2, §2° da Lei 12.651/12); e (e) sucessão por atos de corrupção, pois as pessoas jurídicas são responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos contra a contra a administração pública praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não (Art. 2° da Lei 12.846/2013). 

Como é feita a alienação dos ativos? 

Se a empresa não ajuizou processo de recuperação, a alienação de ativos é livre. Contudo, se a empresa já ajuizou pedido de recuperação judicial, a alienação de ativos não circulantes somente poderá ocorrer se previsto no plano de recuperação judicial, aprovado por credores e homologado pelo juiz ou mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores. Encontre abaixo as particularidades de um Distressed M&A em diferentes cortes temporais. 

  1. Distressed M&A sem processo

Antes do ajuizamento de qualquer processo de recuperação da empresa, a alienação de ativos é livre e não depende de autorização de credores e/ou da justiça. A desvantagem é porque a operação é despida das proteções legais que a Lei de Recuperação e Falência proporciona. Essas proteções legais podem evitar que a operação seja declarada nula ou ineficaz e evitar que o comprador absorva por sucessão as obrigações e responsabilidades do vendedor.

A reflexão que o comprador costuma fazer aqui é a seguinte: (a) optar por uma operação célere, mas que exige uma due diligence extremamente criteriosa para avaliar riscos e possíveis mitigações; ou (b) aguardar o ajuizamento do processo de recuperação da empresa para garantir uma maior segurança jurídica à operação e um menor risco ao comprador. Um exemplo recente foi a aquisição pela Votorantim e Itaúsa da totalidade da participação detida pela Andrade Gutierrez na CCR. Logo em seguida, a Andrade Gutierrez protocolou um pedido de recuperação extrajudicial para reestruturar sua dívida internacional. 

  1. Distressed M&A na Recuperação Extrajudicial

No caso de recuperação extrajudicial da empresa, mesmo após o ajuizamento do pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial, a alienação de ativos também é – a rigor – livre, não depende de autorização de credores e/ou da justiça e não depende de constar no plano de recuperação apresentado.

Contudo, se a operação estiver prevista no plano de recuperação homologado, o comprador estará em melhor posição. Recentemente, a Lei de Recuperação Judicial e Falência passou a estabelecer que a alienação de bens, mediante autorização judicial expressa ou prevista em plano de recuperação judicial ou extrajudicial aprovado, não poderá ser anulada ou tornada ineficaz. Com isso, a segurança jurídica da operação é preservada, mas o risco de sucessão persiste. Veja artigos 66-A e 131 da Lei 11.101/2005.  

3. Distressed M&A na Recuperação Judicial

No caso de recuperação judicial, após o ajuizamento do pedido de recuperação judicial, a alienação de ativos somente poderá ocorrer se previsto no plano de recuperação judicial, aprovado por credores e homologado pelo juiz ou mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores. Veja artigo 66 da Lei 11.101/2005. Aqui também se aplica a recente atualização da lei que passou a estabelecer que a alienação de bens, mediante autorização judicial expressa ou prevista em plano de recuperação judicial ou extrajudicial aprovado, não poderá ser anulada ou tornada ineficaz. Veja artigos 66-A e 131 da Lei 11.101/2005. A diferença para a recuperação extrajudicial é porque na recuperação judicial, além da segurança jurídica da operação poder ser preservada, também é possível resguardar o comprador do risco de sucessão.

A lei prevê que se alienação for realizada por meio de processo de concorrência previsto na mesma lei, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do adquirente nas obrigações do devedor, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista. Veja artigo 66 §3º, 141 e 142 da Lei 11.101/2005. Essa proteção só não se aplica se o comprador for sócio da recuperanda, parente de sócio da recuperanda, sociedade controlada pela recuperanda ou agente da recuperanda com objetivo de fraudar execução. Veja artigo 141 da Lei 11.101/2005. Um exemplo foi a venda pelo Grupo Odebrecht de sua controlada Odebrecht Ambiental para a canadense Brookfield. 

  1.  UPI – Unidade Produtiva Isolada

Uma outra opção muito comum é estruturar a operação como uma aquisição de unidade produtiva isolada (“UPI”), o que pode acontecer tanto na recuperação extrajudicial como na recuperação judicial. Nesta modalidade, o ativo da empresa recuperanda é usualmente alocado em uma outra sociedade (nova ou já constituída), de titularidade da recuperanda (movimento conhecido como “drop down”) e faz-se a alienação desta sociedade como uma unidade produtiva isolada. Contudo, existe uma diferença marcante em se promover a aquisição de uma UPI na recuperação extrajudicial e na recuperação judicial. 

Na recuperação extrajudicial, a aquisição de UPI goza de proteção contra a declaração de nulidade ou ineficácia, se promovida de acordo com a lei, mas a proteção contra sucessão não é uma garantia expressa. A redação original do capítulo que trata dessa modalidade não regula a questão da sucessão e não foi contemplado pela reforma da lei. Veja artigos 166 e 131 da Lei 11.101/2005. Já na recuperação judicial, a aquisição de UPI goza de proteção contra a declaração de nulidade ou ineficácia, se promovida de acordo com a lei e a lei determina expressamente que o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista. Veja artigos 60, 131 e 141 da Lei 11.101/2005. 

Um exemplo foi a aquisição pela Telefônica Brasil S.A. da Garliava (controlada pela OI), por meio do qual a Telefônica adquiriu a totalidade das ações de emissão da sociedade Garliava RJ Infraestrutura e Redes de Telecomunicações S.A. para a qual foi contribuída a Unidade Produtiva Isolada – UPI. 

Conclusão

Entendemos que o melhor timing para uma operação de Distressed M&A é durante uma recuperação judicial. Com a reforma da Lei 11.101/2005, promovida pela Lei 14.112/2020, é possível afastar os principais riscos, quais sejam: a operação ser declarada nula ou ineficaz e o comprador absorver por sucessão as obrigações e responsabilidades do vendedor. E isso tudo independe da operação ser estruturada como UPI, constar em plano de recuperação aprovado ou ser implementada via autorização judicial.  

Este texto foi escrito em colaboração com Ricardo Thomazinho

Nota

Os textos e opiniões publicados na área de colunistas são de responsabilidade do autor e não representam, necessariamente, a visão do Suno Notícias ou do Grupo Suno.

Bruno Muzzi
Mais dos Colunistas
Carolina Perroni Banco ou investidor? Como decidir sobre a melhor forma de financiar o crescimento do negócio

Depois de realizar o sonho de tirar uma ideia do papel e montar o próprio negócio, a segunda etapa a ser vencida por aqueles que decidem empreender é como tracionar e ...

Carolina Perroni
Ricardo Thomazinho Operações de M&A seguem aquecidas no setor elétrico; estruturas se subordinam a regras específicas

Há um crescimento de investimentos em energia no Brasil, principalmente em renováveis, impulsionado pelos temas de transição energética e pela ascensão do ESG. Da mesm...

Ricardo Thomazinho

Compartilhe sua opinião