Gustavo Kosnitzer

A CVM e os fundos de investimentos imobiliários – FIIs

Com base na decisão do Colegiado, os fundos imobiliários têm discricionariedade para definir os valores a serem distribuídos aos cotistas. Entretanto, ao apresentarem suas demonstrações financeiras, devem reconhecer adequadamente a segregação dos valores distribuídos entre rendimentos e amortização de capital

Em 24/01/2022, a Comissão de Valores Mobiliários divulgou decisão do Colegiado deliberando que, caso a distribuição dos resultados seja superior à soma do lucro líquido do exercício com o montante de lucros acumulados (e/ou reserva de lucros) do exercício anterior, o montante adicional ao lucro líquido contábil distribuído deverá ser reconhecido como amortização de capital e não dividendos.

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Quando analisada no conjunto da legislação, regulação e características únicas dos Fundos de Investimento Imobiliário, tal entendimento, se aplicado, causará distorções importantes ao mercado de Fundos de Investimento Imobiliário.

A Instrução CVM 516/2011 estabeleceu critérios contábeis de reconhecimento dos ativos e passivos dos Fundos de Investimento Imobiliário – FII, dispondo, em seu artigo 2º, parágrafo único, que os ganhos ou as perdas resultantes da avaliação de ativos ou de passivos do fundo, ainda que não realizados financeiramente, devem ser reconhecidos no resultado do período.

A CVM, interpretando a referida IN 516/2011, entendeu que a distribuição, por parte de um Fundo de Investimento Imobiliário aos cotistas, a título de rendimentos, de valores calculados com base no regime de caixa, quando estes excedem os valores reconhecidos no lucro do exercício e/ou acumulados, aumenta a rubrica de prejuízos acumulados do Fundo e, portanto, tais valores não podem ser classificados como rendimentos, mas como amortização do custo do capital investido pelos cotistas.

Com base na decisão do Colegiado, os fundos imobiliários têm discricionariedade para definir os valores a serem distribuídos aos cotistas. Entretanto, ao apresentarem suas demonstrações financeiras, devem reconhecer adequadamente a segregação dos valores distribuídos entre rendimentos e amortização de capital. Esta decisão, que foi adotada em um caso concreto, pode se aplicar aos demais fundos de investimento imobiliário que tenham características similares ao do caso analisado.

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Ora, o que importa para a distribuição é o lucro ou prejuízo contábil que se origina na contabilidade, quando as receitas de determinado exercício são maiores ou menores que as despesas e custos, não influenciando a reavaliação dos bens do ativo neste resultado contábil.

Com efeito, dentre as principais modificações decorrentes da aprovação da Lei 11.638 de 2007, está a conta “Ajuste de Avaliação Patrimonial” (AAP).

A diferença entre o valor justo e o valor dos ativos menos sua depreciação acumulada deve ser lançada nas contas do ativo imobilizado tendo, por contrapartida, a conta ‘Ajuste de Avaliação Patrimonial do patrimônio líquido’.

O ajuste reconhecido, para mais ou para menos, altera a situação patrimonial líquida da empresa. Porém, não são reconhecidos como receita ou despesa, mas considerados como resultado abrangente e divulgados na DRA – Demonstração do Resultado Abrangente e na DMPL – Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido.

Assim, se o ajuste dos ativos é feito para cima, não aumenta o lucro a ser distribuído, assim como o inverso também é verdadeiro. O ajuste para baixo não gera ou aumenta o prejuízo, de modo a interferir no valor a ser distribuído aos sócios da empresa.

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Para a distribuição de lucros pelo regime de caixa, o art. 10, parágrafo único, da Lei nº 8.668/1993 exige que o lucro seja apurado em regime de caixa (“Resultado Financeiro” ou “Lucro Caixa”), para o que deverão ser consideradas as despesas e receitas que passaram pelo caixa durante certo intervalo, de forma a se atingir, ao final de tal período, seu efetivo resultado. Se o caixa for positivo, tais valores podem ser distribuídos preservando a liquidez do Fundo.

Somente se o prejuízo apurado for superior as contas de reservas de lucro e de reservas de capital é que não poderá haver distribuição de dividendos, sob pena de descapitalização do Fundo (artigos 167 e 189 da Lei 6.404/76).

Os ajustes e marcações a mercado – e esta parece ser a melhor interpretação da Instrução CVM 516/2011 – devem ser utilizados para possibilitar análises financeiras e auxiliar na tomada de decisão por parte dos investidores, não tendo nada a ver com o resultado financeiro apurado anualmente pelo Fundo e que pode ser objeto de distribuição. Trata-se de mero “Ajuste de Avaliação Patrimonial” (AAP), nos termos da Lei 11.638 de 2007.

Seria completamente ilógico que, em um ano atípico com grande valorização de ativos imobiliários, o Fundo passasse a distribuir valores com base nesta valorização, pois, no ano seguinte, ela pode não mais se manter e os valores distribuídos. Aí sim, teriam se constituído em amortização de capital investido pelos cotistas.

A marcação a mercado não pode servir para distorcer o lucro ou o efetivo prejuízo do exercício, ocultando a inadimplência ou o aumento ou redução dos rendimentos percebidos pelo fundo.

O que importa se determinado fundo possui um imóvel que no seu patrimônio líquido que está avaliado em R$ 50 milhões e que na reavaliação anual passou a valer R$ 30 milhões se o aluguel recebido não sofreu alteração nesse período?

Evidente que se o fundo vende este imóvel e realiza esse prejuízo (até então apenas referencial), aí sim o impacto dessa perda deveria ser levado em conta na distribuição de dividendos, devendo ser compensado por outras fontes de lucro (aluguéis, juros ou alienações de outros ativos com lucro) para viabilizar a distribuição.

Deve ser observado que a distribuição de lucros aos quotistas atende a exigências da própria Lei 8.668/1993 (art. 9º) e da Receita Federal, sob pena de desenquadramento do Fundo do regime tributário que lhe é próprio, não podendo a CVM pretender, administrativamente, praticar uma redefinição jurídica dos referidos valores de lucro para amortização de cotas, eventos que possuem naturezas jurídicas, tributárias e societárias absolutamente distintas.

Mesmo que a decisão do colegiado esteja temporalmente suspensa, é importante que a CVM possa ajustar seu posicionamento a fim de preservar o interesse de mais de 1.540.000 investidores.

Gustavo Kosnitzer escreveu este artigo com *Sergio Lewin 

*Sergio Lewin, advogado, CEO da empresa Wayda Capital, que se dedica a compra e gestão de ativos não-líquidos. Ex-presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), ex-presidente do Instituto Liberdade, ex-presidente do Conselho Diretor da Junior Achievement do Rio Grande do Sul, Ex-vice-presidente da Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul (Federasul). Advogado Tributarista, atuou conselheiro-julgador do Tribunal Administrativo de Recursos Tributários de Porto Alegre (TART). Ex-diretor do Instituto de Estudos Tributários de Porto Alegre (IET).

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Nota

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Gustavo Kosnitzer
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