Hiperinflação é algo muito improvável, salientam especialistas

O Brasil está prestes a vivenciar outro período de hiperinflação? Pela 17ª semana consecutiva o Boletim Focus voltou a elevar a expectativa para a inflação de 2020, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). E isso já começou a despertar alertas na mídia,

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De acordo com a pesquisa do Banco Central (BC), divulgada nesta segunda-feira (7), os especialistas do mercado esperam que a inflação deste ano seja de 4,21%. Cerca de um décimo do aumento que se considera como hiperinflação, que na literatura econômica ocorre quando os preços sobem pelo menos 40% ao mês.

Quatro semanas atrás, a projeção dos analistas ouvidos pelo Banco Central era de um aumento nos preços na ordem de 3,20%, enquanto na semana passada, a estimativa estava em 3,54%.

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O Boletim Focus desta segunda-feira também marca a 21ª semana consecutiva de aumento na projeção para o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), para 24,09%.

Na hipótese de que as estimativas se confirmem, a inflação deste ano ficará levemente abaixo da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4%, com 1,5 ponto percentual de tolerância, ficando entre 2,5% e 5,5%.

De acordo com a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), a inflação deste ano no cenário híbrido está em 2,1%. Para 2021, meta fixada è de 3,75%, com variação entre 5,25% e 2,25%. O BC estima um aumento dos preços na ordem de 3,34% em 2021.

Risco de hiperinflação?

Para alguns observadores, esse aumento da pressão inflacionária em um sinal de alerta sobre o estado da economia brasileira. Muitos já começam a falar em riscos para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021.

Quem fala em “volta da hiperinflação” se baseia nas palavras do ministro da Economia, Paulo Guedes, pronunciadas no dia 11 de novembro durante uma audiência no Congresso.

“Esse aumento dos preços é fundamentalmente fruto de um choque em alguns setores específicos, como alimentos por exemplo, e é uma combinação junto a depreciação do câmbio, que impacta em outros setores, e vamos lembrar que a taxa de câmbio entre o dólar e o real se enfraqueceu muito esse ano”, explicou para o SUNO Notícias João Ricardo Mendes Gonçalves, doutor em Economia pela Universidade do Porto e professor do IBMEC-SP.

Para o economista, “esse é um choque temporário. Ou seja a natureza desse aumento extraordinário, que surpreendeu o mercado como um todo é temporária, portanto não temos visto um processo inflacionário de fato. Por enquanto o que vimos é apenas um choque que deve se dissipar nos próximos meses”.

Segundo o especialista, “o risco de hiperinflação é muito baixo. Poderia ocorrer apenas se jogássemos fora tudo o que aprendemos nos últimos anos, especialmente com o Plano Real e depois, no que diz respeito a condução da política econômica”.

Sobre os riscos de hiperinflação, Mendes Gonçalves lembrou que é necessário não confundir a fala de Guedes com a situação atual, pois o ministro se referia ao risco de instabilidade caso o Brasil não consiga rolar sua dívida em 2021, consequência do descontrole das contas públicas que assustaria o mercado.

“Hiperinflação em literatura ocorre quando o aumento dos preços supera 40% ao mês. Portanto algo muito diferente do que estamos vivendo nesse momento. Eu não acho que temos horizonte previsível um cenário de hiperinflação a não ser que exista um nível tal de desorganização de atividade econômica que provoca isso sistematicamente de tal forma a conduzir a economia brasileira de volta para esse processo. Acho pouquíssimo provável, pois a sociedade brasileira já entendeu a importância da inflação controlada”, explicou o professor do IBMEC-SP.

Mendes Gonçalves relembrou como o “grande calcanhar de Aquiles da economia brasileira é a parte fiscal”.

“É nosso problema desde sempre. Os gastos do governo tem um certo descompasso em relação a receita, o que faz que nossa trajetória hoje em relação ao nosso endividamento, mesmo antes do começo da emergência do coronavírus (covid-19) é uma trajetória explosiva. Enquanto os agentes da economia estão confortáveis em oferecer os recursos para o governo para financiar essa dívida e ficar rolando tudo vai continuar assim como está. Mas não sabemos se isso vai continuar para sempre. Pode chegar uma hora que simplesmente o risco do não cumprimento, do não pagamento é tão alto que podemos ter um problema de pagamentos forte”, explicou o professor.

O professor lembrou como a elevada ociosidade produtiva da economia brasileira, além da elevada taxa de desemprego, limitam os impulsos inflacionários. “As previsões que estamos vendo mostram uma inflação dentro ou até abaixo da meta da inflação”, explicou Mendes Gonçalves.

Situação da inflação atual é muito melhor do que nos anos 1980

Para o professor Paulo Dutra Constantin, coordenador do curso de ciências econômicas da Fundação Armando Álvaro Penteado (FAAP) de São Paulo, a alta atual dos preços è fruto principalmente dos efeitos do auxilio emergencial, que forneceu uma renda maior para um determinado grupo de pessoas que começou a demandar mais produtos básicos, que aumentaram de preço.

“Houve também o aumento da demanda externa, principalmente porque a China voltou a crescer rapidamente, com suas taxas de crescimento elevadas, e isso fez com que uma maior parte da população chinesa também consumisse. E isso teve um impacto grande nos preços gerais do mundo todo, pois a China é o maior mercado consumidor do planeta. E isso levou a um aumento de preços”, explicou Dutra Constantin.

Além disso, lembrou que os preços foram pressionados para cima pois não houve um aumento da área plantada, mas uma redução do estoque e impulsionou a inflação.

No caso do risco de volta à hiperinflação, o professor da FAAP salientou que “não há risco de voltar a viver o período hiperinflacionário que vivemos na década de 1980”.

“A questão fiscal está muito melhor do que vivemos naquele período, quando não existia absolutamente nenhum controle fiscal. Não existiam orçamento único, teto de gastos ou controles que temos hoje na condução da política fiscal. Era muito diferente. E ainda temos as instituições muito mais seguras e mais independentes, como o Banco Central (BC), que comanda a política monetária e tem a obrigação de manter o poder de compra da moeda, e ele está cada vez mais independente”, explicou o professor.

Para Dutra Constantin, mesmo se o governo fizer uma política econômica anacrónica, os diretores do BC tem a obrigação de corrigir os excessos. Até pelo risco pessoal que eles tem, com eventuais consequências que podem chegar na esfera jurídico-criminal.

2021 anos de incertezas

Ambos os especialistas concordam que o crescimento do ano que vem poderá ser prejudicado por causa da situação complicada das contas públicas.

Para o professor Dutra Constantin o crescimento econômico pode ser prejudicado por causa da questão fiscal. “O Brasil deveria levar adiante a reforma tributária e a reforma fiscal, mas esse ano não vai ocorrer e não temos nenhuma certeza que isso vai acontecer em 2021″, salientou ou professor.

Segundo ele, sem um maior controle das contas públicas o Banco Central poderá ser obrigado a aumentar as taxas de juros, e isso poderá reduzir o crescimento econômico no próximo ano.

Opinião compartilhada pelo professor Mendes Gonçalves, que considera a recuperação “muito mais lentas e muito mais complicada por causa das vulnerabilidades que vão se manifestar, como desemprego, desigualdade, fechamento de empresas, e por causa da situação das contas públicas brasileiras”.

“A minha previsão do PIB para o próximo ano é pouco otimista. Seja pela situação gerada pelo covid-19, mas mesmo antes disso a economia brasileira estava patinando, não conseguindo crescer como condiz para um país emergente”, explicou o professor.

Segundo ele, “as fragilidades da economia brasileira que emergirão no próximo ano, a mediocridade histórica de nosso crescimento e os problemas fiscais prejudicarão muito mais o nosso PIB do que uma inflação pontual como a atual. Mas mesmo assim, não vejo hiperinflação à vista nos próximos meses”, salientou o professor do IBMEC-SP.

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Carlo Cauti

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