Privatização da Sabesp (SBSP3) avança na Assembleia de SP: ‘efeito Enel’ pode travar processo?

A privatização da Sabesp (SBSP3) está no radar do mercado financeiro, da população e de estudiosos do tema, porque envolve um dos principais serviços públicos essenciais: o saneamento básico em São Paulo.

O Congresso de Comissões da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou nesta quarta-feira, 22, o relatório do deputado estadual Barros Munhoz (PSDB) sobre o projeto de lei (PL) que prevê a privatização da Sabesp. O relatório recebeu 27 votos favoráveis e 8 contrários. O tema segue agora para plenário.

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Entre argumentos a favor e contra a privatização da Sabesp, a pergunta que fica é: quais seriam as mudanças concretas com a redução da fatia estatal da companhia e passagem para iniciativa privada?

Os recentes apagões em São Paulo – como o de 3 de novembro, que deixou boa parte da cidade e região metropolitana às escuras – levantaram questões sobre a própria privatização. A Enel, que assumiu o controle da distribuição de energia em São Paulo em 2018 (20 anos após a privatização da antiga Eletropaulo), foi criticada pela demora em restabelecer a energia e no atendimento aos clientes, recebendo milhares de reclamações

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), pediu à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) o cancelamento do contrato de concessão da Enel, que cuida da distribuição de energia elétrica na capital e em mais 23 municípios da região metropolitana. Isso pode complicar ou travar o processo de privatização da companhia de São Paulo?

Para elucidar a questão da privatização da Sabesp, o tema foi discutido com economistas, analistas do mercado e a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (SEMIL), que responde pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp.

Quais as principais vantagens na privatização da Sabesp?

Em um quadro geral, os principais pontos positivos em uma privatização estão associados a três aspectos, como lista o professor da economia da FEA-USP com especialização em organização industrial e regulação de mercado, Rodrigo Moita:

  • Gestão mais profissional;
  • Menos interferência política;
  • Lucro para o governo.

No caso da Sabesp, Moita ressalta que devido ao alto nível de abastecimento de água estatal e, em níveis mais baixos, à coleta e tratamento de esgoto seriam contemplados com melhorias a partir de novos financiamentos, mais flexíveis com uma privatização.

A desestatização da Sabesp ainda permitirá uma renovação dos contratos de concessão por um prazo mais longo, nos termos do artigo 14 do Novo Marco Legal do Saneamento. “Isso salva o futuro da empresa, sem o risco de perder os contratos vigentes que devem vencer nos próximos anos. A desestatização também torna a Sabesp mais eficiente, permitindo que a empresa cresça e se torne uma plataforma multinacional de saneamento”, ressalta a Semil, em entrevista ao Suno Notícias.

Além disso, a pasta aponta que a privatização da empresa de saneamento de São Paulo deverá permitir uma redução da tarifa mensal, inicialmente com o uso dos recursos financeiros levantados pelo governo com a desestatização e depois “com os ganhos de eficiência que a empresa vai obter com a gestão privada”, informa.

Para o professor de economia da FEA-USP, Cláudio Lucinda, especializado em estrutura de mercado, performance de mercado e organização industrial, ainda que São Paulo seja um dos melhores estados brasileiros em questão de saneamento, ainda tem muito a melhorar. “Existe uma ineficiência na distribuição de água, com níveis de perda ainda bastante elevados. Para resolver isso, é preciso investir e não é pouco dinheiro”, ressalta o professor.

“É como discutir qual é o anão mais alto da Branca de Neve. Dentro das operadoras de saneamento do Brasil, o padrão que temos é tão baixo que mesmo a melhor entre elas ainda tem um caminho muito grande a seguir,” Cláudio Lucinda, FEA-USP.

“Com a privatização, serão levantados recursos para serem usados no poder público que são centrais para o funcionamento do estado, ao mesmo tempo que a empresa adquire mais flexibilidade pra empresa realizar programas de investimento,” complementa Lucinda.

Otimista, Bernardo Viero, analista CNPI da Suno Research, aponta que os consumidores deverão sentir um reflexo positivo no aumento da cobertura dos serviços de saneamento, ao mesmo tempo em que os acionistas serão contemplados por um crescimento mais acelerado na base de ativos, “pedra fundamental dos retornos”.

“Outro efeito colateral positivo é a maior previsibilidade no que tange a gestão e planejamento estratégico do negócio. Sem o risco de mudanças bruscas na orientação a cada eleição, a tese fica mais atrativa pois poderá ser projetada com um menor grau de incertezas”, ressalta Viero.

Pontos negativos da desestatização

Em meio a greves e um processo ainda em tramitação, a desestatização da Sabesp levanta alguns pontos que colocam em cheque seus benefícios.

Um deles é a estratégia tradicional da iniciativa privada, que, em busca de um aumento de lucratividade, tende a gerar alguns cortes. “Com a privatização, são implementadas economias de custos que não vão agradar algumas pessoas, como demissões e cortes de gastos,” explica Lucinda.

Questionada sobre as supostas demissões na Sabesp, a Semil afirmou que “o Governo de São Paulo está construindo um modelo de desestatização que valoriza os colaboradores.”

Segundo a Secretaria, a incorporação da companhia não será por um grupo econômico, mas ela se tornará independente.

“Com isso, o novo ciclo de crescimento da Sabesp será liderado pelos trabalhadores que estão na empresa”, afirmou a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo.

“Isso já aconteceu em outros casos, como na Embraer (EMBR3), que se tornou uma das maiores fabricantes de aeronaves do mundo após a desestatização, e quem liderou esse processo foram os trabalhadores da empresa”, exemplifica a Semil.

Para o analista da Suno, também não existem pontos negativos relevantes a serem mencionados a respeito da privatização da empresa de saneamento.

Em que pé está o processo de desestatização da Sabesp

No momento, a desestatização da Sabesp (SBSP3) está no meio da Fase 1.

A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), em reunião com deputados estaduais paulistas, aprovou o o relatório do projeto de lei de desestatização da Sabesp.

O tema havia sido debatido em audiência pública da Alesp na última quinta-feira (16).

“Estamos conduzindo as conversas com os municípios para renovação dos contratos, preparando a oferta pública de ações, revisando o modelo tarifário e regulatório, e estruturando a governança corporativa da empresa para a fase pós desestatização”, informou a Semil.

Agora a proposta vai a plenário, para votação geral dos parlamentares.

As previsões da Secretaria são de que a Fase 1 seja concluída no primeiro semestre de 2024, para ser conduzida a oferta pública da Sabesp, segundos as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

No esforço do governo para acelerar a tramitação do projeto, além do regime de urgência, sua passagem pelas comissões na Assembleia ocorreu em um congresso dos colegiados – em vez de passar separadamente em cada um deles. Esse congresso inclui, entre outras, as comissões de Constituição, Justiça e Redação e a de Finanças, Orçamento e Planejamento.

Alesp: plenário é favorável à privatização?

No plenário, a previsão do governo é de votar o projeto ainda nas próximas semanas. Para ser aprovado, o PL precisa de 48 votos do total de 94 deputados. Para a oposição, o quórum é favorável para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Durante todas as discussões iniciais envolvendo o projeto, a oposição defendeu que a privatização da companhia de saneamento deveria tramitar como uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o que exigiria um quórum um pouco mais desafiador para Tarcísio de 57 deputados estaduais.

Atualmente, o governo de São Paulo detém 50,3% das ações da empresa. A intenção do Estado é ter sua participação reduzida a algo entre 15% e 30%. Até 2033, a Sabesp precisará investir cerca de R$ 56 bilhões para universalizar os serviços de água e esgoto em São Paulo, diz o diretor-presidente da estatal, André Salcedo, em recente entrevista ao Estadão.

Segundo ele, esse aumento de investimentos para universalizar o tratamento de água fará a tarifa subir. A privatização, segundo ele, pode segurar esse avanço, através da melhora de eficiência da empresa.

Neste ano, diz o executivo, foi a primeira vez na história que a companhia investiu, de janeiro a setembro, R$ 3,9 bilhões. “É o maior investimento em nove meses que a companhia já fez na sua história. Conseguimos acelerar o investimento e antecipar a universalização na nossa área de atuação. Conseguimos antecipar esses investimentos por causa dos ganhos de eficiência que capturamos neste ano.”

A Sabesp foi fundada em 1973 e hoje é responsável pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgotos de 375 municípios do Estado de São Paulo. São 28,4 milhões de pessoas abastecidas com água e 25,2 milhões de pessoas com coleta de esgotos.

As ações ordinárias da empresa subiram 1,43% no pregão de ontem e 1,55% no de hoje, com a iminência de aprovação da privatização pelas comissões. No ano, os papéis da estatal já subiram 18,09% e, em novembro, 12,93%.

Cotação SBSP3

Gráfico gerado em: 22/11/2023
1 Ano

Passagem da Sabesp de estatal para privada é boa para o investidor?

Segundo o analista da Suno Research, o mercado encara positivamente a privatização da companhia de saneamento, “uma vez que o próprio modelo de transformação em corporação (empresa com controle difuso) foi recém testado com sucesso aparente nas privatizações da Eletrobras (ELET3) e Copel (CPLE6), dado que ambas já puderam emplacar evoluções substanciais em investimentos e eficiência. “

Do ponto de vista do investidor, a privatização é positiva por dois motivos principais, lista Viero:

  • Aceleração e aumento dos investimentos com reflexo na base de remuneração regulatória;
  • Ganho de previsibilidade com a diminuição de risco de mudança na gestão e orientação estratégica a cada eleição majoritária.

Ruídos do apagão: o ‘efeito Enel’ poderia ser uma premissa para privatização da Sabesp?

Segundo os especialistas entrevistados para a matéria, não.

“A comparação é de que são duas empresas importantes de prestação de serviços públicos no estado de São Paulo. O processo de desestatização é muito parecido. Apesar da Enel ter tido um problema muito grande, em termos de setores, são empresas diferentes”, explica Moita.

Contexto: o apagão na cidade de São Paulo no dia 3 de novembro deste ano após fortes chuvas causou a falta de energia elétrica em muitas regiões da cidade. Alguns moradores relataram mais de 48 horas ou até 120 horas sem luz em casa, devido a um grande atraso de resposta por parte da Enel, empresa distribuidora de energia no estado.

Após o ocorrido, a discussão trouxe à tona se a privatização dos serviços de energia seria um problema e se a Sabesp não estaria “enveredando” para o mesmo caminho.

Para o analista Viero, a discussão entretanto não tem tanto fundamento. “Recentemente vimos diversas privatizações serem seguidas por um avanço imediato nos indicadores de qualidade de fornecimento dos serviços.”

Como exemplo, Viero cita algumas empresas como:

  • A Neoenergia (NEOE3), que assumiu a distribuidora de Brasília (antiga CEB) com indicadores de duração e frequência de interrupções para o consumidor (DEC e FEC) na ordem de 7,6 horas e 5,8 vezes, melhorando-os para 7,0 horas e 5,1 vezes, rumo ao enquadramento regulatório que a gestão estatal não estava conseguindo entregar em muito tempo;
  • Energisa e CPFL, ambas com todos os indicadores de qualidade satisfatórios em 14 concessões considerando os dois grupos e com gestões privadas eficientes para o consumidor.

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Saneamento básico de São Paulo em números

Por definição, o saneamento básico corresponde ao conjunto de serviços de infraestrutura que engloba o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, a limpeza urbana e o manejo de resíduos sólidos e a drenagem de águas pluviais.

No Estado de São Paulo, dos 645 municípios paulistas, atualmente 149 não têm universalização em abastecimento de água e outros 226 não possuem esgotamento sanitário universalizado.

Segundo publicação no site da Sabesp em novembro deste ano, “os índices de saneamento na área atendida pela Sabesp estão entre os melhores do país: 98% de cobertura de abastecimento de água, 92% de cobertura de coleta de esgoto e 83% de imóveis conectados ao tratamento de esgoto.”

Novo plano de desestatização da Sabesp e Novo Marco do Saneamento

Um dos principais pontos apontados como positivos no novo plano de desestatização da Sabesp é antecipar em quatro anos a meta do Novo Marco de Saneamento Básico. O documento prevê, para toda a população brasileira, 99% de abastecimento de água e 90% de coleta e tratamento de esgoto, até 2033.

A meta também tem como objetivo a inclusão de pessoas que atualmente não estão contempladas pelos serviços, como aquelas localizadas em áreas rurais, irregulares consolidadas, comunidades tradicionais e povos originários.

Segundo o plano de privatização, a meta do Novo Marco poderia ser atingida em 2029, com a injeção de cerca de R$ 10 bilhões a mais do que o planejamento estadual previa anteriormente. O recurso para universalizar os serviços de água e esgoto também para as famílias fora da área contratada deverá ser captado por meio de financiamentos, que se tornam mais flexíveis a partir da passagem da Sabesp (SBSP3) de estatal para privada.

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Camila Paim

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