Grana na conta

Como a China está construindo sua “Grande Muralha Digital”

Se os dados são o “petróleo do futuro”, a China que proteger seu “ouro negro”. Por isso, tijolo por tijolo (virtual), está construindo sua “Grande Muralha Digital”.

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O Ministério da Indústria da China acaba de lançar um plano de US$ 39 bilhões (cerca de R$ 250 bilhões) gastos ao longo de três anos para criar uma cortina impenetrável que proteja os dados pessoais de seus cidadãos e, portanto, a segurança nacional.

Isso pois, para Pequim, não há diferença entre os dois.

Como a Grande Muralha, construída para deter as hordas mongóis na fronteira norte do Império chinês, esta muralha ainda levará tempo para ser realizada. E assim como sua antepassada de tijolos, a Grande Muralha Digital poderia não funcionar.

Enquanto isso, a obsessão para o controle dos dados começa a ser cada vez maior entre as autoridades chinesas.

Um dos sinais mais claro dessa quase histeria é a longa sequência de parágrafos e sofismas incluídos nas várias leis chinesas que compõem o quadro jurídico dessa Grande Muralha Digital.

Uma mistura de cibersegurança, segurança dos fluxos de dados e defesa da privacidade individual aos quais se junta o famigerado sistema de crédito social.

Em suma, as empresas também deverão ter uma espécie de carteira de identidade, com pontos para poder obter uma série de benefícios, desde que todas as informações internas sejam divulgadas às autoridades.

Desse pacote faz parte também a imposição da infame “localização tecnológica” às empresas estrangeiras.

China teme fuga de dados para o exterior

Diferente da Grande Muralha antiga, a Grande Muralha Digital vai servir, na realidade, mais para manter dentro do que para proteger de ataques externos.

Algo bem comum nos regimes ditatoriais, que diferentemente das democracias constroem muros para evitar fugas e não para se proteger.

O maior risco percebido pelo governo de Pequim é que dados sensíveis sejam transmitidos para o exterior.

Uma preocupação ainda mais assustadora do que a fuga de divisas estrangeiras ou lavagem de dinheiro – e exportação ilegal de capitais – de funcionários governamentais corruptos, que saqueiam os cofres públicos e fogem com o botim.

Para não permitir que os dados dos cidadãos chineses saiam das fronteiras nacionais, o governo da China está disposto a fazer qualquer coisa.

Até mesmo assistir passivamente a queda livre das ações das melhores empresas de tecnologia locais. Antes invejadas por metade do mundo e agora em aparente colapso.

Entenda o caso da Grande Muralha Digital

Tudo começou há cinco anos, quando os governantes de Pequim delinearam as competências da Administração do Ciberespaço da China (CAC), a autoridade de segurança cibernética chinesa, que tinha como objetivo presidiar o universo da Internet.

A CAC começou a ordenar mudanças de rumo para empresas que trabalham como dados sensíveis, para permitir um maior controle sobre essas informações.

Todavia, em um primeiro momento, isso não aconteceu.

Apesar da lei de segurança cibernética, que entrou em vigor em 1º de junho de 2017, a atividade da CAC não foi particularmente fácil.

Aplicativos e plataformas continuaram rodando de forma tumultuada. E a dimensão das fintechs chinesas, que representam um terço do varejo do país asiático, deixou a situação ainda mais difícil de ser controlada.

Antitruste entrou na batalha

Foi por isso que o governo da China decidiu colocar na batalha o órgão Antitruste local, que começou a ajudar o CAC na tarefa de tentar controlar o universo digital.

Reformado em 2018, a partir do ano passado o Antitruste chinês começou a multar todas as operações de gigantes tecnológicas chinesas, acusadas de ser empecilhos para a concorrência.

Juntos, os dois braços operacionais do governo da China atuaram há poucas semanas contra a Didi Chuxing, imediatamente antes da listagem na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE).

Novos clientes chineses foram bloqueados, vinte aplicativos cancelados e os contatos com Alipay e WeChat cortados.

Isso tudo porque Didi não armazenava os dados sensíveis de seus clientes na forma prescrita pela CAC.

Esse foi apenas o primeiro passo.

A partir deste domingo (25), todas as empresas tecnológicas que operam na China e têm mais de um milhão de clientes serão obrigadas a respeitar as novas regras de armazenamento prescritas por uma reforma-relâmpago da legislação de segurança de TI, caso queiram abrir seu capital no exterior.

Essa regra representa a fundação da Grande Muralha Digital. A construção continuará em meados do segundo semestre deste ano.

Outono da repressão digital na China

A partir de 1o de setembro – com um atraso de três meses – os controles sobre os fluxos de dados  se tornarão sufocantes na China.

Em um nível que as limitações impostas para a Didi Chuxing parecerão pálidas lembranças.

Nesse momento, o artigo 34 da lei de cibersegurança chinesa, que obriga as empresas a armazenar dados pessoais no território nacional, vai se juntar a lei de segurança de dados, que cria regras mais rigorosas e articuladas sobre o que pode ser feito com os dados.

Por isso, nos próximos anos, as empresas de tecnologia estrangeiras que operam na China terão que enfrentar a evolução dessa jurisdição, cada vez mais restritiva.

A percepção, principalmente no Vale do Silício, é que tudo isso terá um impacto negativo sobre os negócios.

Exigências muito rigorosas de segurança cibernética impõem custos significativos às empresas que devem se alinhar a certos padrões.

Sem contar que muitas dessas exigências desviam das práticas comerciais padrão das empresas americanas e europeias.

Por exemplo, os requisitos de “localização de dados” requerem a integração com um parceiro chinês e a criação de procedimentos específicos exclusivos para o mercado da China.

Regras complicadas principalmente para o mercado financeiro

As regras impostas pelo governo da China, mesmo se ainda nebulosas, são particularmente desafiadoras no setor de serviços financeiros.

Os bancos estrangeiros, recentemente autorizados a investir no mercado chinês sem ter que criar necessariamente uma joint venture, são os mais competitivos no serviço de transferência internacional que requerem a utilização das suas redes globais.

Os requisitos de localização e transferência de dados na China podem romper esses laços e tornar os negócios muito mais difíceis.

A falta de padrões públicos e detalhados torna o processo de revisão de segurança incerto. Por isso, todas as empresas do setor financeiro, exceto os maiores bancos, consideram esses requisitos de localização proibitivos.

Por isso, muitas empresas menores simplesmente acabarão deixando a China.

Com isso, Pequim estaria se limitando a um sistema financeiro menos competitivo mais fechado.

E também criaria um sério impacto sobre as empresas estrangeiras que acabarão preferindo com bancos de seus países que têm filiais na China. Até que a Grande Muralha Digital não chegue até eles também.

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Carlo Cauti

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