Como a alta da Selic pode afetar os fundos imobiliários de papel – e o que fazer para escolher os melhores ativos

Na última reunião em outubro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu elevar a taxa básica de juros, a Selic, em 1,5 ponto percentual, para 7,75% ao ano, e o mercado, em especial o de fundos imobiliários, amargou perdas com essa decisão. No primeiro pregão com a nova Selic, o IFIX, Índice de Fundos Imobiliários da B3, recuou 0,26% e atingiu a mínima daquele mês, que continuou sendo renovada nas sessões seguintes. A próxima reunião do Copom será em 8 de dezembro -quando o Banco Central já prevê nova alta de 1.5 ponto percentual.

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Você conhece a equação: renda fixa e os fundos imobiliários são inversamente proporcionais. Ou seja, quando a Selic está subindo, ela se torna mais atrativa do que a renda variável, já que os riscos são menores. Por outro lado, quando a taxa de juros da economia está baixa, os investidores podem se arriscar um pouco na renda variável. Por isso, uma alta na Selic acaba pressionando o IFIX.

Contudo, há uma classe especial de fundos imobiliários que podem se esquivar um pouco dessa fuga dos investidores: os FIIs “de papel”. Isso acontece porque esses ativos investem em títulos que acompanham indicadores macroeconômicos, principalmente de inflação. Além disso, esses fundos imobiliários também possuem indexadores para correção dos rendimentos do portfólio como um todo, sendo o Certificado de Depósito Interbancário (CDI) o mais comum.

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Fundos imobiliários de papel podem se beneficiar com a alta da Selic?

André Catrocchio, sócio e diretor de RI da Hectare Capital, explica que quando um fundo imobiliário compra um título, seja no mercado secundário ou na emissão primária, há taxa de juros atrelada, e ela é um termômetro também relacionado à Selic: “Na verdade é uma expectativa de juros futuros mais o spread de crédito do emissor da renda fixa.”

Assim, Catrocchio destaca que os benefícios nesse primeiro momento de alta da Selic estão relacionados a novas operações que forem adquiridas pelo fundo. “Se o gestor optar por rodar um pouco os papéis que estão na carteira, provavelmente ele vai optar por taxas maiores para dentro do fundo”, diz.

Ele usa como exemplo um fundo que foi crescendo ao longo do tempo e comprou títulos com rentabilidade igual à inflação mais 5%: “Hoje, provavelmente esse mesmo gestor vai conseguir comprar operações com inflação +7%, inflação +8%. Então o que dá pra imaginar, e é bem possível que isso aconteça na maioria dos fundos, é que a taxa dos ativos dentro do fundo fique maior.”

Essa perspectiva pode ser considerada uma vantagem dos fundos imobiliários de papel em relação aos de tijolo, pois o segundo tende a demorar um pouco mais para refletir ganhos na taxa de juros. “No fundo de papel, as emissões que estão em andamento são refletidas na mesma hora, ou a emissão sai com uma taxa maior ou eu começo a dar um desconto no papel que está sendo negociado”, explica Catrocchio.

Bruno Eiras, sócio-fundador e diretor de Gestão da Devant Asset, lembra que os fundos de recebíveis se dividem em dois subgrupos: high grade e high yields. O primeiro entrega uma remuneração mais baixa em comparação com o segundo, mas também tem um risco menor.

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Nesse cenário, Eiras observa que “com a alta da Selic, você vai ter impacto principalmente nos fundos high grade, que entregam por volta de 8% ao ano de dividend yield. Eles vão acabar sofrendo mais, porque competem diretamente com a renda fixa tradicional.”

Contudo, Eiras lembra que os fundos mais high grade ainda têm seu espaço, pois são importantes para o investidor diversificar sua carteira.

Além disso, as vantagens dos FIIs acabam tornando o ativo mais atrativo, até mesmo com a Selic em um patamar mais alto. “Os fundos que entregam a rentabilidade high yield, superior, devem sofrer bem pouco e continuar sendo bem atrativos”, completa.

Mas, afinal, está mesmo na hora de comprar FIIs de papel?

Eiras avalia que, sim, é em um bom momento para comprar fundos imobiliários de papel: o sócio fundador da Devant Asset lembra que esses ativos estão com preços bem ajustados.

Ele acrescenta que alguns fundos de papéis também alocam seu capital em ativos atrelados ao CDI. “Ou seja, com esse aumento do CDI, você também está subindo a rentabilidade da minha carteira dentro do fundo imobiliário. Então você consegue, dependendo do fundo imobiliário de papel, surfar nessa alta da Selic.”

Outro ponto destacado por Eiras é que os fundos imobiliários de papel ainda conseguem investir em CRIs que estejam atrelados ao CDI. “Então, com a alta do CDI, você também ganha com o aumento.”

“Só que o aumento da Selic é para segurar a inflação, tanto a inflação corrente, quanto a expectativa de mercado. Ou seja, se você tiver um aumento de Selic é porque a inflação está muito alta e, se você está com uma inflação muito alta, os fundos de papel que são atrelados a índices de preço, à inflação, ao IPCA, ao IGP-M, estão rentabilizando muito.” Ele completa explicando que, neste momento, a taxa Selic está crescendo para ancorar a inflação, que, por sua vez, está começando a se descontrolar. Se a inflação está alta, os CRIs que são atrelados aos índices estão sendo bem rentabilizados.

Por sua vez, Catrocchio diz que o mercado já está precificado. Assim ele acredita que o pequeno investidor não precisa se preocupar em antecipar a alta ou queda nos juros: “Ele tem que compor o patrimônio ao longo do tempo.” Mais: “Faz parte da estratégia de constituição de patrimônio ir comprando de pouquinho em pouquinho ao melhor preço possível e sem se preocupar tanto com antecipação de futuro”, diz.

Fundos de papel x Renda fixa

Mas, então, os fundos imobiliários de papel estão melhores do que a renda fixa nesse momento? Catrocchio pondera que os FIIs têm seus riscos e sua remuneração é compatível com eles. “Não espere ganhar a mesma coisa investindo nos dois”, pontua.

O investidor deve estrar atento à estrutura do fundo imobiliário.

Já Eiras acredita que, sim, os fundos imobiliários estão melhores do que a renda fixa nesse momento. “Fundos imobiliários que são bem geridos, que estejam com sua rentabilidade ajustada ao risco, com bons gestores, sem sombra de dúvida são mais vantajosos”, destaca. Mas ele concorda com  Catrocchio que não é bom generalizar.

Como uma vantagem dos FIIs de papel em relação à renda fixa, ele cita a liquidez.

“Se o fundo imobiliário tiver uma boa liquidez, querendo ou não, o investidor tem o capital dele em D+2. Ele vende as cotas hoje e em dois dias úteis ele tem o dinheiro em mão. Às vezes, para o investidor buscar uma rentabilidade entre 10% e 12% ao ano em um título de renda fixa, ele tem que deixar o dinheiro basicamente travado por uns 4 a 6 anos. No caso dos FIIs, não, você pode ter dinheiro em dois dias se tiver boa liquidez.”

FIIs de papel X FIIs de tijolo

Eiras acredita que fundos imobiliários de papel e de tijolo são complementares. Avalia também que há boas oportunidades em fundos de tijolos que estão bem descontados. “Eu acho que ambos têm boas oportunidades. Claro, quando você olha um fundo de papel, principalmente um fundo de papel hight yield, ele vai ter uma rentabilidade bem superior, mas também o risco é outro”, lembra.

Já o sócio da Hectare Capital aponta dois cenários: existem setores que se beneficiam da alta da Selic, pois uma elevação na taxa de juros deve desestimular o consumo e ativos que tenham consumo como uma variável podem ser impactados negativamente.

Mas ele mostra que essa mudança nos juros acaba impactando o preço das cotas de FIIs, quando o investidor pode comprar ou vender.

Apesar disso, ele acredita que o setor imobiliário, no médio e longo prazo, é muito forte.

Novos investidores devem continuar chegando?

Os fundos imobiliários são a porta de entrada de muitos investidores para o mercado de renda variável, pois suas variações e riscos costumam ser menores do que os das ações. Além disso, quando a Selic está em um patamar baixo a renda fixa passa a remunerar um pouco menos, e esse cenário atrai os investidores para os fundos imobiliários, que tendem a remunerar um pouco mais do que a renda fixa. Os riscos, de certa forma, podem ser considerados baixos, em comparação com outros ativos de renda variável.

Por isso enquanto a taxa básica de juros estava caindo, muitos investidores migraram para os fundos imobiliários. Agora que a taxa está subindo novamente, é possível que haja uma desaceleração nessa migração.

Catrocchio acredita que o mercado de FIIs vai continuar crescendo, porém não no mesmo ritmo. Ele aponta que fundos imobiliários são instrumentos de investimento em imóveis com muitas vantagens: “Não é só isenção de imposto, nem uma Selic baixa. Você pode investir vários imóveis só com uma fração, como R$ 100 ou R$ 200. Você não precisa vender uma casa inteira para poder ter seu dinheiro de volta. Pode vender uma pequena quota e já ter liquidez”, comenta.

Na avaliação dele, o FII é um instrumento que veio para ficar. “Existe um incentivo, um fator acelerador, que eram os juros baixos. Então quem deixava em renda fixa estava incomodado com aquele rendimento baixo, e foi então procurar alternativas. Isso acelerou alguns processos. A meu ver, esse incentivo diminuiu. Então eu não consigo enxergar o número de cotistas aumentando na mesma velocidade que a gente vinha observando, mas deve seguir em alta.”

Já Eiras acredita que a entrada de novos investidores pode desacelerar um pouco — eles acabam sendo menos provocados a ver outras alternativas de investimento. No entanto, ele reforça que o aumento deve continuar, “já que é, no melhor sentido, um caminho sem volta.”

Investir com cuidado em fundos imobiliários

Antes de qualquer investimento em ações ou fundos imobiliários é importante ressaltar que quitar as dívidas e fazer uma reserva de emergência deve sempre ser a prioridade. Os analistas da SUNO Research sempre salientam que é necessário antes poupar dinheiro para depois investir, e nunca se endividar para investir ou investir endividado. Esta matéria não é uma recomendação de investimento.

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Laura Moutinho

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