Falta de investimento na economia do cuidado empaca desenvolvimento e aumenta desigualdades

A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) acentuou o debate sobre a economia do cuidado, um sistema de organização desassistido, desempenhado majoritariamente por mulheres, no qual os trabalhos são desvalorizados. Cozinhar, limpar e zelar por crianças, doentes e idosos são tarefas tão diárias quanto essenciais ao bem-estar comum e ao funcionamento dos mercados. A responsabilidade desbalanceada e, especialmente, a falta de investimentos perpetua as desigualdades e trava o crescimento econômico.

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Para alcançar o desenvolvimento e fechar as lacunas de cobertura nos serviços de saúde e educação será preciso investimento substancial, o qual — no longo prazo — pode se tornar o principal motor da expansão de empregos futuros em serviços ligados à economia do cuidado. A estimativa é da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Em relatório de 2018, a agência projetou: no cenário de status quo, o número de trabalhadores no total de empregos indiretos relacionados a educação, saúde e serviço social deverá atingir 358 milhões em 2030 em 45 países. A hipótese não exime novos gastos. O dinheiro destinado ao setor deverá sair do nível atual de 8,7% do Produto Interno Bruto (PIB) para 14,9% com o objetivo de sustentar este passo.

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O aumento de recursos aplicados na economia do cuidado a cerca de 18,3% do PIB, o cenário otimista, resultaria em um total de 475 milhões de empregos, dos quais 117 milhões serão novos empregos adicionais, além daqueles criados no cenário status quo.

A criação de novos postos de trabalho fruto do desembolso serviria paralelamente para promover a autonomia de mulheres e reduzir a desigualdade de gênero.

Caso o investimento não cresça em, pelo menos, 6 pontos percentuais do PIB global até 2030, os déficits na cobertura aumentarão e as condições de trabalho dos profissionais de saúde se deteriorarão, alertou a OIT.

Economia do cuidado em franca expansão

A população está envelhecendo. A mudança demográfica é reflexo da queda nas taxas de natalidade, diminuição da mortalidade e aumento da longevidade. O acesso ao mercado de trabalho para mulheres e o níveis de renda mais elevados são outros fatores os quais fazem crescer a média de idade de uma dezena de nações.

O envelhecimento tem levado a implicações relevantes para o crescimento econômico, a produtividade, a sustentabilidade das contas públicas. Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que o números de idosos aumentará em todos os membros do G20 nas próximas décadas, embora em ritmos diferentes.

Falta de investimento na economia do cuidado empaca desenvolvimento e alarga desigualdades
Número de pessoas com mais de 65 anos por 100 adultos em idade produtiva (20-64). Foto: Reprodução OCDE

De acordo com a organização internacional, o envelhecimento populacional colocará o financiamento de pensões adequadas, saúde e cuidados de longa duração sob alta pressão.

“É necessária uma abordagem abrangente para lidar com os custos do envelhecimento e promover o crescimento inclusivo em uma era de mudanças demográficas. Deve ser adaptado às configurações institucionais e políticas de cada país e às preferências sociais, e pode abranger muitas áreas de políticas públicas”, salientou a OCDE.

Mas se a taxa de natalidade recua, os desafios parecem não ficar para trás. Relatório do Banco Mundial, de dezembro de 2020, apontou para um percentual superior a 40% de todas as crianças com idade inferior à escola primária — quase 350 milhões — em necessidade de creches, porém sem acesso.

A instituição financeira argumentou em favor de investimentos em creches, os quais poderiam elevar o emprego e a produtividade das mulheres, criar novos postos de trabalho, melhorar os resultados das crianças, impulsionar o crescimento econômico e apoiar uma recuperação mais resiliente.

“O valor do trabalho do cuidado deve ser incluído quando estamos falando na sustentação de uma sociedade e de um país. Isso inclui rever as formas que tradicionalmente tem sido utilizadas na valorização e na organização dessas tarefas,” disse Maria José Tonelli, professora no departamento de Administração Geral e Recursos Humanos na FGV EAESP.

Segundo a doutora, a sociedade tem avançado no reconhecimento do valor do trabalho do cuidado, uma transformação acelerada pela pandemia. “Todos dependem dessas atividades para uma vida melhor, para o desenvolvimento das crianças, enfim, para uma sociedade igualitariamente organizada.”

“Espero que no futuro essas atividades sejam reconhecidas como um valor inestimável para toda a sociedade e que sejam distribuídas igualmente entre os gêneros.”

Mercado de US$ 10,8 trilhões

O cuidado de crianças, idosos e doentes, bem como o trabalho doméstico diário são cruciais. Sem a economia do cuidado, a sociedade desmoronaria.

Em janeiro de 2020, a Oxfam Internacional publicou o relatório “Hora de cuidar”, no qual chamou atenção para o valor agregado à economia pelo trabalho de cuidado: US$ 10,8 trilhões, uma cifra três vezes o tamanho da indústria de tecnologia global. O número é subestimado e o valor real deve ser muito superior, escreveu a entidade.

A maioria dos benefícios financeiros são atribuídos aos mais ricos, a maioria dos quais, homens. Isso quando as mulheres representam dois terços da força de trabalho de assistência remunerada. O gap sobe mais de três quartos quando a métrica é o trabalho não remunerado.

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério da Economia, indicou a presença de um sistema organizador articulado em dois princípios. O primeiro, de separação: determinados serviços devem ser por homens e outros por mulheres. O segundo diz respeito à hierarquização, a qual define trabalhos tidos masculinos como sendo mais valiosos.

“A divisão sexual do trabalho opera como um princípio de distribuição de bens sociais (materiais e simbólicos) e implica diferentes possibilidades de experiência da cidadania para homens e mulheres”, escreveu Bruna Pereira, em relatório da fundação.

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A constatação corrobora a exposição de Nathalia Paulino, sócia-fundadora da Nau Capital, family office com R$ 1,5 bilhão sob gestão. “Sempre que me pergunto quando seria o momento de ser mãe essa é a primeira questão que me vem a cabeça, ou seja, a profissional.”

“Hoje, chego no escritório às 8h da manhã e saio 7h, 8h da noite. Ter um lar, com um filho para cuidar, não é só contratar uma babá. É muito mais do que isso. Envolve, primeiro, a parte afetiva, emocional; e o capital humano“, disse Paulino. “Para a mulher, é sempre um trade-off eterno.”

Nas palavras de executiva, a mulher acaba carregando a carga da maternidade, lado a lado com a “culpa profissional”. A diferença gênero, segundo a sócia-fundadora do family office, está alicerceada no pilar natural da mulher, aquela quem carrega e dá luz ao bebê. Ainda assim, há uma fatia socioeconômica nesse bolo.

Falta de investimento na economia do cuidado empaca desenvolvimento e alarga desigualdades
Homens possuem 50% mais riqueza do que mulheres. Foto: Reprodução Oxfam

“Se em algum momento uma mulher e um homem, os dois trabalhando no mercado financeiro, tiverem um bebê e de se dedicar mais à família, com certeza, será a mulher, até pela questão financeira. Normalmente, até nos mesmos cargos, o homem ganha mais.”

Caminhos ao cenário otimista

Estímulos para que a mulher pudesse seguir o seu caminho deveriam existir, disse Nathalia Paulino. No setor privado, a executiva abordou a possibilidade de equiparação do tempo de licença. Hoje, mulheres possuem o direito de 180 dias para licença-maternidade, enquanto homens têm apenas 20.

A medida serviria tanto para estreitar os vínculos entre pai e filho quanto para aliviar a carga de trabalho da mulher. Simultaneamente, seria positivo para a empresa, disse Paulino, pois melhoria a imagem diante da “comparação que se faz quando a mulher está fora e o homem não”.

Outra solução voltada ao âmbito privado é desenvolvimento de uma cultura transparente e aberta. “Tudo que é repetido, falado, colocado para fora torna-se mais natural.”

No que tange ao setor público, a OCDE indicou a elaboração de políticas fiscais adequadas para evitar que os casais de segunda renda, geralmente mulheres, sejam tributados mais fortemente do que os solteiros, desencorajando a participação feminina na força de trabalho.

A melhora do acesso a serviços públicos, creches e cuidados com os idosos permitiria ainda uma equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, destacou a organização. Dias letivos mais longos serviriam adicionalmente como alternativas para creches públicas.

“Cada minuto a mais que uma mulher gasta em trabalho de cuidado não remunerado representa um minuto a menos que ela poderia estar potencialmente gastando em atividades relacionadas ao mercado ou investindo em suas habilidades educacionais e vocacionais.”

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Arthur Guimarães

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