O dólar ainda manda? O papel da moeda norte-americana nos investimentos globais

O dólar ainda manda no mercado mundial? Por enquanto, sim. A moeda norte-americana ainda é mais utilizada em transações internacionais. Mas será que isso tem data para terminar? É essa a grande questão que preocupa investidores do mundo todo. Eles temem que uma possível desdolarização possa impactar suas carteiras. 

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A preocupação faz sentido. Cada vez mais os Brics ampliados avançam em negociações fora do dólar. Liderados por China e Rússia, eles iniciam uma possível desdolarização inclusive em setores estratégicos como energia e commodities. 

Para entender esse movimento e mostrar como o investidor pode se proteger (ou até se beneficiar), conversamos com Felipe Beys, planejador financeiro CFP e sócio da Warren Investimentos, Fernando Siqueira, head de research da Eleven Financial, e Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research. 

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Por que o dólar ainda domina o sistema financeiro global?

Para Gustavo Sung, a resposta passa por solidez econômica e confiança internacional. “Os Estados Unidos permanecem como a principal economia do mundo, com instituições sólidas e um dos principais mercados financeiros”, diz ele. 

Como exemplo, ele destaca que títulos do Tesouro de 10 anos continuam sendo porto seguro, apesar da volatilidade. “Quase 90% das transações globais envolvem o dólar e cerca de 60% das reservas cambiais dos países estão em dólar, segundo o FMI”, afirma. 

Beys reforça esse argumento, lembrando que reservas internacionais de países desenvolvidos e emergentes estão majoritariamente denominadas em dólar. “Além disso, o próprio Sistema Financeiro internacional (SWIFT) está vinculado à infraestrutura norte-americana”, diz.

Outro ponto relevante é que a moeda americana é amplamente aceita em mercados globais, o que reduz o chamado risco de conversibilidade. Moedas como o real, por exemplo, têm custo alto de transação internacional justamente por essa falta de aceitação.

Desdolarização é fato ou narrativa?

Na avaliação de Beys, é mais uma narrativa – pelo menos por enquanto. Quer dizer que a resposta pode ser diferente daqui a 5 ou 10 anos? “Sim, porém pouco provável”, avalia.

Segundo o especialista, não há evidências de uma desdolarização da economia global atualmente. “Essa discussão existe desde o início dos anos 2000, com a criação do euro, e o resultado, em 2025, é que isso não se materializou”, afirma. “Pelo contrário, o euro perdeu força em relação ao dólar nos últimos 20 anos”, destaca.

Sung também avalia que as tentativas de diversificação existem, mas não ameaçam a moeda norte-americana. “Pode haver mais diversificação no médio e longo prazo, mas o dólar deve continuar no centro”, diz.

Fernando Siqueira reforça a visão de cautela, lembrando que a China tem trabalhado para aumentar a penetração do yuan chinês no mercado, embora ainda seja pouco relevante. “Infelizmente, não há bons dados para dizer se desdolarização de fato está ocorrendo”, afirma. 

Existem transações bilaterais que já funcionam sem o dólar?

Sim, elas existem — principalmente em setores ligados a commodities e energia. “Algumas dessas transações são cada vez mais precificadas em moedas diferentes do dólar americano”, diz Beys. Os acordos, em geral, são liderados por China, Rússia e Irã e outros países do Brics. 

Siqueira acrescenta que o movimento ganhou força depois que a Rússia foi excluída do sistema SWIFT, usado para pagamentos internacionais. “A China aproveitou a oportunidade para incentivar outros países a usar um outro sistema de pagamentos, em yuan (renminbi, que é o nome da moeda oficial chinesa), como alternativa”, explica.

Sung complementa lembrando que Brasil e a Argentina também têm alguns acordos para utilizar o renminbi nas transações com a China.

Como esse fenômeno impacta custos e riscos cambiais?

A proliferação de moedas diferentes em negociações internacionais pode elevar o risco cambial, especialmente em países com moedas menos líquidas. Segundo Beys, isso amplia o custo de transação e a volatilidade dos investimentos. 

“Fora o euro, iene e libra esterlina, as demais moedas enfrentam maior instabilidade e menor aceitação internacional”, considera. “Por exemplo, quando você vai para a Europa, você leva reais para trocar lá?”, questiona, já sabendo que a resposta é negativa. “Não leva porque o custo de transação será muito caro, exatamente pela falta de aceitação”, diz ele. “É o que falei sobre o risco de conversibilidade”, explica.

Que ativos e estratégias protegem ou beneficiam o investidor 

Sung destaca que, antes de falar sobre ativos e estratégias, é importante lembrar que eles dependem do objetivo e do perfil de cada investidor. 

“Se a pessoa for conservadora e quiser proteger seu patrimônio da inflação, não adianta considerar um ativo com muito risco, volatilidade”, diz ele. Por outro lado, se for alguém que busca diversificação maior e aguenta o risco, podemos pensar em investimentos no exterior, em dólar, que é uma moeda forte. “Isso ainda pode ajudar a proteger a carteira de problemas domésticos”, reforça.

Para Beys, entre os ativos que podem ajudar a proteger o investidor brasileiro neste momento estão: 

  • Fundos cambiais;
  • ETFs internacionais (para investimentos locais);
  • Treasuries norte-americanos;
  • Ações globais (para investimentos no exterior).

Siqueira reforça a importância da diversificação internacional, inclusive mantendo ativos em outras moedas. “Isso inclui, por exemplo, exposição à Zona do Euro e Inglaterra, principalmente”, diz. 

Ele sugere também olhar para o ETF WRLD11, que replica o índice MSCI Global, um índice de ações global (e não apenas ações americanas, como o S&P500).

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Como as gestoras brasileiras estão se preparando

Sung não enxerga movimento das gestoras brasileiras nesse sentido, pelo menos por enquanto. “O dólar vai continuar sendo a moeda dominante”, acredita.

Beys, por sua vez, começa a observar uma redução de exposição norte-americana na parcela internacional dos investimentos, mesmo que de forma gradativa. “De uma maneira prudente e estratégica, estamos vendo uma maior exposição em ativos emergentes, como Índia e China”, diz ele. “Existem até alguns ETFs no Brasil que foram lançados recentemente”, lembra. 

Ele também enxerga um aumento em ouro, commodities e criptoativos. “Além disso, ativos alternativos contra instabilidades globais monetárias e inflação, como energia, imobiliário e private equity”, afirma. 

Qual o papel do ouro, criptoativos e stablecoins?

De acordo com Beys, esses ativos cumprem papéis distintos. “O ouro é recomendado para um cenário de inflação, crises geopolíticas e monetárias, é um ativo confiável, sem risco de crédito ou soberania de qualquer país”, diz ele. 

Os criptoativos, por sua vez, assumem um papel de disrupção, uma reserva de valor digital e capacidade de transação fora de sistemas tradicionais. Porém, com alta volatilidade. “E as stablecoins funcionam como um elo entre as criptos e as finanças tradicionais”, diz ele. “São uma moeda digital para pagamentos, mas possuem limites relacionados à solvência e regulação”, explica.

Siqueira concorda que o ouro é uma forma clássica de proteção contra a desvalorização do dólar. Agora, porém, ele divide espaço com as criptomoedas. “A função de reserva de valor normalmente é citada como uma função mal desempenhada pelo dólar, e o bitcoin serviria para suprir essa necessidade”, afirma.

Há risco de fragmentação monetária global?

Apesar das narrativas que apontam para o enfraquecimento do dólar, os especialistas não veem risco iminente. “O dólar ainda é dominante e funcional, sem previsibilidade de que essa dominância esteja ameaçada”, afirma Beys.”

“No curto e médio prazo, não vejo risco”, afirma Sung. “No longo prazo, pode surgir fragmentação com moedas digitais ou acordos bilaterais, mas não uma desordem financeira”, completa ele sobre um possível enfraquecimento do dólar.

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Redação Suno Notícias

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