Ricardo Propheta

A ‘herança comercial’ da guerra entre Rússia e Ucrânia no Brasil

Nosso país comercializa um volume irrisório de bens industriais ao leste europeu, mas ainda é um comprador importante de fertilizantes, o que aponta para um horizonte de maior custo de produção agrícola e inflação

Entre as inúmeras incertezas que marcam a guerra entre Rússia e Ucrânia, há uma evidência clara: os efeitos econômicos sobre o Brasil não serão nada positivos. O tamanho e a intensidade das consequências dependem da escalada da tensão, mas, a considerar o cenário atual, é muito plausível que tenhamos, no horizonte próximo, um cenário de mais inflação e de juros, com os preços de commodities mais caros, pressionando, por sua vez, o custo de produção agrícola. Uma variável importante que ajuda a entender esse diagnóstico é o comércio. É sobre os efeitos da ‘herança comercial’, decorrente da invasão da Rússia à Ucrânia, que se debruça esta análise.

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Considerando que o conflito fique circunscrito à região da Ucrânia, e não extrapole outras regiões — e também já admitindo as sanções de países do Ocidente à Rússia — há alguns impactos potenciais no radar. Se pensarmos em cargas industrializadas, movimentadas dentro de contêineres, os reflexos são marginais para o comércio entre o Brasil e Rússia, Ucrânia e Belarus. Isso porque o nosso país importa e também exporta um volume irrisório de bens industrializados para essas nações. E o volume de proteína animal exportado num passado recente foi enfraquecido após sucessivos embargos russos.

Já quando falamos em commodities o cenário muda de figura. Rússia e Ucrânia são dois dos principais exportadores mundiais de trigo. E ainda que o Brasil não compre um volume expressivo e direto dessas regiões, quando há embargos a países produtores, protagonistas globais, o preço do grão sobe no mundo todo, afetando as cotações de países que negociam com o nosso — como a Argentina e Estados Unidos. Segundo dados do Valor Data, núcleo de dados do jornal Valor Econômico, o trigo foi a commodity que mais subiu ao longo de fevereiro. Os contratos futuros de segunda posição de entrega do cereal fecharam o mês passado em alta de quase 22% ante a última cotação de janeiro, o que resulta em uma média mensal 4,8% superior na mesma base de comparação (a segunda maior desde 2012).

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Em relação aos insumos agrícolas, a lógica é parecida. O Brasil importa a grande maioria dos fertilizantes que move o agronegócio nacional. De acordo com dados da consultoria Agroconsult, um volume recorde de 39,1 milhões de toneladas de adubos em geral (fosfatos, nitrogenados e potássicos) foram comprados pelo Brasil do exterior no ano passado, sendo 9,2 milhões da Rússia (também um recorde) e 2,4 milhões de Belarus. E ainda que exista a possibilidade de substituir parte do volume comprado de Rússia e Ucrânia por outros fornecedores (como países africanos), o preço também subirá. O efeito é cascata, com uma pressão direta no custo da produção agrícola nacional, e, consequentemente, nos preços de commodities, como soja, milho, algodão, café, entre outras. Nesse cenário mais desafiador, é muito pertinente que haja uma queda da rentabilidade do produtor brasileiro, que pode não conseguir repassar a totalidade da alta de custos ao cliente final.

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Já na frente de combustíveis, pode haver um impacto indireto no preço da gasolina. Isso porque Rússia e Ucrânia são grandes produtores de petróleo e derivados, como o gás natural. Nos primeiros dias de conflito, essas commodities tiveram altas, o que impacta no preço dos combustíveis de todos os países do mundo, fomentado uma inflação global, em um momento em que ela já está elevada. Todas as commodities citadas, incluindo grãos, insumos agrícolas, sobretudo fertilizantes, e petróleo (para a produção de combustíveis, no caso), são amplamente consumidas mundo afora — e a guerra atual, encarece o acesso a todas elas, na esteira de um cenário macroeconômico mundial que já vinha fragilizado pela pandemia.

Neste cenário, em que o conflito permanece da forma como está posto, o fluxo de embarcações que saem do Brasil rumo à região do conflito, e que vem de lá pra cá, não sofreria impactos relevantes, ao menos no curto prazo. O ‘vai e vem’ de navios atual entre o Brasil e a Rússia e Ucrânia já é tímido, e difere, e muito, do comércio com outras nações mais próximas comercialmente de nós, como China, EUA, Japão e países da Europa Ocidental. Para se ter uma ideia, segue uma medida dos fluxos Brasil-Rússia: a conta de comércio entre os dois países somou US$ 7,3 bilhões no ano passado, contra US$ 138,3 bilhões com a China, maior parceiro comercial brasileiro. No médio e longo prazos, no entanto, e mirando a um cenário global, um desarranjo logístico pode ser mais acentuado, já que, desde a pandemia enfrentamos um cenário de congestionamento em portos, atrasos de navios, e de falta de contêineres.

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Em relatório, analistas da XP Investimentos resumem o quadro atual: “Embora alguns setores (no Brasil) possam se beneficiar do cenário de nova alta preços das commodities, o aumento da aversão global ao risco e o potencial de piora das condições financeiras, problemas adicionais na cadeia de suprimentos e inflação ainda mais alta (portanto, menor renda familiar real) nos levam a manter a projeção de taxa de crescimento nula para o PIB de 2022”. Com impacto no já combalido potencial de crescimento do país, o saldo é, sem dúvida, desfavorável. Resta saber a extensão dele, ao longo do tempo, e também a intensidade, para que o mercado ancore suas expectativas da forma mais assertiva possível. Torçamos para que seja o mais breve e brando possível, não só pelos estragos econômicos que respingam em períodos de guerra, mas sobretudo pelas vidas poupadas com o cessar do conflito.

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Nota

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