André Bittencourt

Black & Scholes: a precificação antes do famoso modelo

A história nos mostra que a ciência e a arte de precificar opções antecede em muito o modelo conhecido - 2.600 anos antes de Black & Scholes.

Todo investidor com um pouco mais de experiência de mercado já ouviu falar em opções. Talvez até já tenha operado.

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O investidor mais sofisticado, além de ouvir falar, também deve ter tido contato com a famosa equação de Black & Scholes (e Merton, diga-se de passagem, BSM), uma fórmula que pode nos dizer o valor de uma opção a partir de algumas informações do mercado.

Só para recapitular, uma opção é um contrato em que combina-se o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender um ativo em uma data futura.

Às vezes, temos a impressão de que este assunto é algo recente. Associados ao mundo moderno das finanças e à onipresença dessa fórmula nas conversas sobre opções, podemos ter a impressão de que a precificação só começou a ser feita após o surgimento da equação. No entanto, a história nos mostra que a ciência e a arte de precificar opções antecede em muito o modelo do trio. Na verdade, a história é bem mais antiga, para ser mais exato, 2.600 anos antes de Black & Scholes.

Tales de Mileto

Provavelmente, a primeira negociação de algo que pode ser chamado “opção” que se tem registro se deu pelo filósofo grego Tales de Mileto, por volta de 600 A.C.

Reza a lenda que Tales não ligava muito para o dinheiro, estando muito mais preocupado em descobrir os segredos do universo. Já nessa época, Tales enfrentava as perguntas que os acadêmicos enfrentam hoje: “sua pesquisa serve para alguma coisa?” e “se você é tão inteligente, por que não é rico?”.

Cansado dessas perguntas, resolveu pôr seus conhecimentos à prova. Tales previu que o clima naquela safra seria favorável para a colheita de azeitonas e que, então, haveria uma grande demanda pelas prensas usadas para fazer azeite. Sabendo disso, ao invés de comprar todas as prensas da região (pois não tinha tanto dinheiro), combinou de preservá-las para a época da colheita, já deixando o preço do aluguel acertado e pagando uma taxa de antemão por isso.

Quando chegou a colheita, os produtores estavam cheios de azeitonas e Tales exerceu seu direito cobrando mais caro para para alugar as prensas aos produtores. Resultado: ficou rico.

Há uma polêmica se Tales realmente teria sido capaz de prever o clima, mas é fato que essa operação se assemelha muito com um trade de opções.

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Joseph de la Vega

Avançando uns 2.200 anos para o futuro, a Companhia Holandesa das Índias Orientais, fundada em 1602, é tida como a primeira bolsa de valores do mundo em Amsterdã. Nela eram negociadas ações, bonds e opções, inicialmente ativos exclusivos desta empresa.

Hoje, temos vários livros sobre histórias do mercado financeiro como O Lobo de Wall Street, Reminiscences of a Stock Operator, Big Short, Market Wizards e muitos outros. Mas o original, o primeiro a narrar as emoções e táticas do mercado financeiro foi judeu português Joseph De La Vega, em seu livro Confusión de Confusiones, de 1688. No livro, Vega narra as táticas e comportamentos do mercado sob a perspectiva de vários players. Para um livro de 330 anos, algumas passagens parecem bem atuais:

“Há três tipos de pessoas no mercado: os investidores, os mercadores (seriam os corretores e market-makers?) e os especuladores. Por vezes, alguns mercadores viram especuladores e alguns especuladores viram apostadores, quando começam a tratar o mercado como um jogo.”

Mas o que mais nos interessa no momento é que De La Vega narra a negociação de opções, mostrando que os operadores tinham algum conhecimento e heurísticas para ajudar na precificação das opções. Ele parece indicar até mesmo uma forma primitiva de Paridade Put-Call, uma fórmula que relaciona o preço das Calls e das Puts, independentemente do modelo utilizado para precificar.

É de se esperar que os modelos não fossem precisos, mas já eram um primeiro passo na direção de um modelo de precificação.

Jules Regnault

Em 1863, um corretor de ações publica um livro que pode ser tido como o primeiro livro de finanças quantitativas da história: Calcul des Chances et Philosophie de la Bourse (Cálculos das Chances e a Filosofia na Bolsa), em que ele trata de analisar estatística e filosoficamente o funcionamento dos investimentos. Fica claro o quanto o livro estava à frente do seu tempo na página 50, uma conclusão que ele deixa em destaque:

“L’écart der cours est en raison directe de la racine carrée des temps”

“A variação dos preços é diretamente proporcional à raiz quadrada do tempo”

Em tradução livre, um passo inicial na suposição da distribuição normal dos preços e do movimento browniano, um pressuposto que é utilizado até hoje por alguns modelos! Seu livro ainda trata de tentar estimar o retorno de longo prazo dos ativos, numa forma inicial de econometria.

Regnault não tratou do problema da precificação de opções, mas dadas as suas conclusões não é difícil de acreditar que ele poderia ter construído a primeira fórmula para a precificação de opções se tivesse se debruçado sobre o problema. Essa tarefa acabou ficando para…

Louis Bachelier

Não parecem haver indícios de que Bachelier teve acesso ao livro de Regnault no momento da publicação da sua tese de doutorado Théorie de la Spéculation, em 1900. Mas a Lei da Raiz Quadrada de Jules Regnault já estava difundida entre os especuladores da época – então é possível que sua tese tenha se inspirado nesta Lei.

Bachelier não era uma pessoa fácil de lidar e fez vários desafetos na vida. Sua genialidade se misturava com notas medianas na carreira acadêmica. Mas isso não o impediu de seguir para o doutorado na Universidade de Paris, sob orientação de um dos maiores matemáticos da história, Henri Poincaré. Sua tese “Théorie de la Spéculation” é o primeiro trabalho a tratar o problema da precificação de opções de forma matematicamente rigorosa.

O trabalho é impecável em profundidade e apresentação. Qualquer trader ou estudante de finanças desavisado que encontrasse o artigo poderia achar que são as notas de aulas recentes de alguma disciplina de finanças quantitativas. Nos são apresentadas fórmulas analíticas e aproximações para a precificação de várias estratégias com opções, cálculo da probabilidade de uma opção terminar dentro do dinheiro, tempo de parada (quando um determinado evento ocorre) esperado e mediano, entre várias outras fórmulas de interesse de um operador de opções.

Bachelier, inclusive, considera a medida neutra ao risco (de forma simplificada, o retorno esperado do ativo é zero), mas por uma justificativa diferente da usada por Black, Scholes e Merton.

Outra diferença marcante entre os dois trabalhos é que Louis considera que o retorno financeiro dos ativos segue uma distribuição normal (movimento browniano), enquanto o trabalho moderno considera que o retorno percentual dos ativos segue uma distribuição normal (movimento browniano geométrico). Se não bastasse, o trabalho é a primeira descrição matemática do movimento browniano, antecedendo o trabalho de Albert Einstein nessa área em 5 anos.

Apesar da genialidade toda do trabalho, a tese recebeu uma nota Honorable, abaixo da nota Très-Honorable, provavelmente por finanças não ser vista como um tema de maior importância na época e pelo trabalho focar mais na matemática aplicada do que pura.

Era de se esperar também que tal trabalho fosse um tremendo sucesso entre os especuladores e acadêmicos da época, mas infelizmente caiu no esquecimento, sendo apenas redescoberto mais de 50 anos depois pelo matemático e economista Leonard Savage que o apresentou para seu colega, o famoso economista Paul Samuelson.

Em 1964, a tese é traduzida para o inglês pela primeira vez e publicada no livro The Random Character of Stock Market Prices, editado por Paul Cootner, quando ele finalmente entra no mainstream econômico.

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Samuel A. Nelson

Nelson foi um repórter do The Wall Street Journal no começo do século XX. Numa série de livros, ele compilou o conhecimento de vários colunistas do jornal, bem como de especuladores da época, incluindo Charles Dow (sim, do Índice Dow Jones e Teoria de Dow) e acrescentou seus próprios comentários. Samuel não desenvolveu um trabalho original, mas compilou o conhecimento da época.

Em seu livro The ABC of Options and Arbitrage, vários conceitos operacionais são explicados, como replicar opções utilizando outras opções e ações, arbitragem entre as bolsas de NY e Londres e Paridade Put-Call, além de, claro, delinear uma heurística para precificar e controlar um book de opções.

O método consiste em seis regras:

  • Medir as flutuações médias passadas: Ele sugere uma espécie de bootstrap, vendo quanto cada ação flutuava em diferentes períodos de tempo.
  • Considerar eventos especiais: A ação está sendo demandada no mercado? Algum evento político importante à frente?
  • Vender opções para mais ou menos a mesma quantidade de ações, em intervalos regulares: Uma forma primitiva de gerenciamento de risco.
  • Adicionar margens de lucro e custos operacionais no preço.
  • Ter provisões contra defaults: Mais um controle de risco.
  • Carregar as opções até o vencimento e sem hedge: Talvez essa regra seja polêmica na visão de um trader de opções moderno, mas faz sentido quando levado em conta que não se havia um método robusto de se calcular o delta-hedge e a ideia era tentar ganhar na média, ganhando com algumas opções e perdendo com outras, um pouco como uma seguradora.

Sem ter o avançado conhecimento matemático de Bachelier, a heurística da época era surpreendentemente robusta.

Vinzenz Bronzin

É curioso como de forma completamente independente de Bachelier e Regnault, mais um matemático sugeriu que o movimento das ações poderia seguir uma distribuição normal. Em, 1908, Vinzenz Bronzin publicou o livreto em alemão Theorie der Prämiengeschäfte (Teoria dos Contratos a Prêmio) descrevendo a precificação dos contratos a prêmio, uma variação das opções onde o prêmio da opção é pago somente no vencimento.

O trabalho de Bronzin hoje é praticamente desconhecido, infelizmente, mas contém os principais pontos da precificação de derivativos: hedge, replicação, Paridade Put-Call e a fórmula de precificação. A grande diferença do seu trabalho, inclusive, para o de Bachelier é que ele não tentou justificar que as ações deveriam seguir uma distribuição e apresentou uma fórmula para essa distribuição específica. O italiano foi mais pragmático e derivou as fórmulas para precificar opções assumindo diferentes distribuições dos preços das ações, um assunto que voltaria a chamar a atenção mais recentemente.

Edward O. Thorp

Algumas pessoas são excelentes em suas áreas de atuação e outras raras são excelentes em várias áreas ao mesmo tempo. Thorp pertence ao segundo grupo. Ph.D. em matemática pela Universidade da Califórnia, Los Angeles, professor no MIT e posteriormente na Universidade da Califórnia, Irvine. Só isso já seria suficiente para chamá-lo de gênio. Mas Thorp foi além.

Na década de 1950, usando um dos primeiros mainframes da IBM, analisou o jogo de Blackjack e desenvolveu uma estratégia capaz de virar as chances a favor do jogador e contra o casino. E não ficou só na teoria, ele realmente fez dinheiro em Las Vegas aplicando a estratégia.

Posteriormente sua estratégia virou livro em 1966, Beat The Dealer, e obrigou os casinos a mudarem as regras do jogo. Nos anos 60, Thorp e Claude Shannon (outro importante matemático) criaram o primeiro computador vestível, uma pequena caixinha no sapato capaz de prever o resultado da roleta, fazendo mais uma pequena fortuna às custas dos casinos. Depois foi proibido de entrar em qualquer um.

Mas a história que nos interessa é outra. Logo depois de ganhar dinheiro em Las Vegas, nosso gênio procura outro lugar onde ele poderia aplicar sua capacidade matemática para ganhar ainda mais dinheiro e não ser barrado. Thorp mira então para Wall Street, em dívidas conversíveis.

Ele percebe que ninguém sabe ao certo como precificar esses ativos, que nada mais são que uma debênture junto com uma opção de compra da ação. Junto com o economista Sheen T. Kassouf, eles desenvolvem uma forma de estimar o preço, uma estratégia que envolve a compra de dívidas conversíveis com a venda de ações (o que hoje chamamos de Delta Hedge) para lucrar com a má precificação do mercado.

Segundo eles, a estratégia gerou 25% de retorno ao ano por 5 anos, até que resolveram divulgar a estratégia em um livro, Beat the Market. Thorp e Kassouf disseram que decidiram divulgar a estratégia porque a venda de livros poderia ser bem lucrativa, já que abrir uma gestora e captar recursos seria quase impossível para dois outsiders do mercado.

A estratégia da dupla serviu como parte da base do trabalho do trio BSM. O livro de Thorp e Kassouf está nas referências do artigo The Princing of Options and Corporate Liabilities, o primeiro artigo do modelo de Black & Scholes.

Edward O. Thorp ainda bateu o jogo de Baccarat, foi um dos early investors da Berkshire Hathaway (BERK34), identificou a fraude do Bernie Madoff antes da implosão e geriu um Hedge Fund com retorno médio de 20% ao ano por quase 30 anos.

Black, Scholes & Merton

Quando o trio (inicialmente a dupla Black and Scholes) encarou o problema de precificar opções, a trilha já havia sido aberta, outros já haviam passado por ali. O mérito do trio foi pavimentar esse caminho. Mas o que eles fizeram para que o modelo fosse lembrado por seus nomes e o que exatamente é o modelo?

Este é um assunto para o próximo artigo…

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Nota

Os textos e opiniões publicados na área de colunistas são de responsabilidade do autor e não representam, necessariamente, a visão do Suno Notícias ou do Grupo Suno.

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