Insider trading fica impune, e quem paga por isso é o investidor

Milhares de brasileiros têm se encantado com a possibilidade de investir na bolsa de valores, o que é uma ótima notícia, tanto para os investimentos dessas pessoas quanto para o país. Afinal, um mercado de ações forte significa que as empresas têm uma alternativa a mais para captar recursos e investir em seus negócios. No entanto, nem todo mundo sabe que a Bolsa de Valores brasileira também é o palco de um crime financeiro que é bem mais comum do que deveria: o insider trading.

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O uso de informações privilegiadas, segundo fontes ouvidas pelo SUNO Notícias, é um dos crimes “de pior espécie”, similar a um roubo. Para quem nunca ouviu falar, o insider trading nada mais é do que uma forma de obter lucros e vantagens no mercado financeiro de forma ilícita, por meio de negociações com instrumentos sob a posse de informações que não são públicas.

Com isso, o indivíduo ou grupo de indivíduos faz uso de sua posição privilegiada em uma empresa, instituição ou conselho, ou apenas da proximidade com alguma dessas partes, e opera antes do conhecimento do mercado sobre algum fato importante.

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A operação pode ocorrer na ponta “comprada”, ou seja, quando há a intenção de surfar um movimento positivo de determinada situação. Um dos casos suspeitos dessa natureza ocorreu há cerca de um mês, em operações da Hering (HGTX3) em meio às conversas com o Grupo (SOMA3).

Da mesma forma, um indivíduo pode operar na ponta “vendida”, esperando que uma situação prejudicial a uma empresa, como ocorreu com a Petrobras (PETR4) no início deste ano, faça com que os ativos de desvalorizem e ele ganhe com esta queda.

“Trata-se da utilização de uma informação financeira que apenas você tem, então você está enganando todo o resto”, diz Fabio Alperowitch, sócio e gestor da FAMA Investimentos. “Operar com informações privilegiadas é semelhante ao roubo, pois você está tirando valor de alguém em seu proveito.”

Para alertar os investidores sobre este tipo de prática, o SUNO Notícias foi a fundo no assunto, e está é a segunda reportagem especial sobre o tema nesta semana. Hoje vamos mostrar de que forma o insider trading prejudica o investidor comum. A primeira matéria, com um raio-x sobre a prática no Brasil, pode ser acessada no link abaixo.

Como se caracteriza o insider trading?

Pessoas ligadas a empresas listadas na Bolsa de Valores, hora ou outra, têm acesso a uma série de fatos relevantes antes que eles venham a público. Sejam elas referentes a resultados operacionais, fusões e aquisições, algum investimento de grande porte que possa agitar as ações no curto prazo, descoberta de nova tecnologia ou área de exploração, entre outros.

Usuários de informações privilegiadas podem ser caracterizados de duas formas:

  • Primário: se o indivíduo estiver no curso direto do funcionamento da empresa, como diretor ou membro do Conselho de Administração;
  • Secundário: indivíduo que teve acesso à informação sigilosa através de um contato de dentro da companhia, seja cliente, fornecedor, amigo ou familiar.

Com base nessa diferenciação, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável pelo acompanhamento da prática criminosa no Brasil, utiliza sua presunção para dar seguimento às investigações e abertura de processos administrativos.

“Cabe nessa situação um diretor negociar os papéis 15 dias antes de um evento relevante, dentro do período vedado, como determina a Instrução CVM 358. Não necessariamente há a prática de insider, mas existe na autarquia a presunção disso. Esses são casos que distorcem um pouco os números no Brasil – casos que são, ou não, uso de informação privilegiada propriamente dita”, diz o ex-diretor da CVM, Otávio Yazbek.

De forma oficial, a CVM atribui às informações privilegiadas as características de serem não públicas e materiais.

Pelo aspecto confidencial e, assim, de viés não público, a comissão entende que devem ser seguidos determinados passos para que a informação seja considerada de livre acesso, ou não.

Para que um evento relevante se torne público, a empresa em questão deve emitir comunicados ao mercado ou fatos relevantes e arquivá-los na página da CVM, além de publicá-los em um jornal ou portal de notícias.

Do lado da materialidade do caso, é necessário que a informação possa “influir de modo ponderável” na cotação dos valores mobiliários ou na decisão dos investidores em comprar, vender ou manter esses ativos, ou então exercer direitos sobre eles, para que seja considerada privilegiada.

Impunidade é resultado de fracos processos e jurisprudência nebulosa

Décadas atrás, quando os negócios eram realizados de forma descentralizada em várias bolsas ao redor do País, o cenário era pior, segundo o relato de fontes ao SUNO Notícias – embora isso não justifique a prática de insider trading.

Contudo, ainda há a dificuldade da identificação. O diagnóstico é que a prática é recorrente e quase diária no Brasil.

De acordo com Yazbek, a CVM participa de uma série de fóruns que ajudam a aprimorar os filtros de controle a essas situações, mas a autarquia ainda carece de investimentos e flexibilidade.

Por se tratar de um organismo ligado ao Estado, a ampliação do escopo de atuação da CVM depende da alocação de recursos por parte das autoridades públicas — o que não tem sido crescente, sobretudo em meio à crise gerada pelo coronavírus.

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Ademais, existe pouca clareza na jurisprudência para o tratamento de casos similares. Para Viviane Muller Prado, professora de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) e estudiosa do tema, o excesso de presunção na análise dos casos causa entraves ao processo.

“Na minha opinião, é necessária uma melhora na legislação. É uma questão de reforçar a jurisprudência, tanto para mudar a conduta dos agentes do mercado, quanto para entendimento do regulador.”

Esse cenário é reforçado pelo entendimento falho entre CVM, Ministério Público e Judiciário, segundo especialistas do mercado.

Para Tulio Vianna, professor de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o preparo jurídico dos magistrados no País está abaixo do necessário pelo tamanho do mercado local, tanto de escritórios de advocacia ou até mesmo promotores e juízes. Isso pressiona ainda mais a atuação da CVM que, como citado, tem poderes limitados.

A sociedade e o pequeno investidor pagam a conta

Além do ônus da falta de efetividade no âmbito administrativo e criminal, quem paga a conta da recorrência do uso de informações privilegiadas pela minoria dos agentes do mercado são os pequenos investidores, sobretudo em um mercado ainda em consolidação.

Segundo Aurélio Valporto, presidente da Associação Brasileira de Investidores (Abradin), a Bolsa brasileira ainda é vista como um jogo de sorte, parecido como um cassino. E pior ainda: um jogo viciado, com cartas marcadas, onde as “sardinhas” estão fadadas a perderem dinheiro para os tubarões em um ciclo vicioso.

“Com a queda da taxa de juros e a chegada de milhões de pequenos investidores à Bolsa, seria uma grande oportunidade de o Brasil ampliar e consolidar o mercado de capitais nesse sentido”, cita Valporto.

Segundo as fontes ouvidas pelo SUNO Notícias, o mercado brasileiro, dito ainda em desenvolvimento, é por natureza pouco eficiente. Com isso, possui menor liquidez e mais obscuridade em relação aos ativos negociados.

Com a periódica prática de insider trading vindo à tona no mercado de capitais – ou ao menos a suspeita dela – perde-se a credibilidade dessa ferramenta que é um dos motores para o desenvolvimento do País, ao facilitar o financiamento de empresas, gerando empregos e girando a economia.

Embora seja considerado complicado identificar casos apenas com base nos dados coletados pela CVM e pela B3 (B3SA3), especialistas dizem que mitigar o insider trading é essencial para o desenvolvimento do mercado local, seja pelo simples fato de “estancamento” da prática criminosa, como para maior transparência aos investidores.

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Jader Lazarini

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