Plano para a indústria: R$ 300 bi em crédito e subsídios acentuam receio com quadro fiscal, dizem economistas

O governo lançou nesta segunda-feira, 22, um plano para a indústria brasileira, marcado pela defesa e incentivo, por parte da ala mais desenvolvimentista, do poder de indução do Estado na economia – sobretudo em áreas estratégicas, como a agenda verde.

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Batizado de Nova Indústria Brasil, o pacote reedita políticas de antigas gestões petistas ao prever R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios ao setor até 2026, além de uma política de obras e compras públicas com incentivo ao conteúdo local (exigência de compra de fornecedores brasileiros).

Economistas são críticos ao formato do plano, e apontam para a volta da política de estímulo à industrialização iniciado no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que priorizou empresas de setores específicos na chamada política de “campeãs nacionais”. O anúncio teve também impacto no mercado, contribuindo para a queda de 0,81% do Ibovespa, principal índice da Bolsa, e a alta de 1,23% do dólar (a R$ 4,98). Analistas falaram em risco de agravamento do quadro fiscal, no momento em que a meta da equipe econômica de fechar as contas deste ano com déficit zero já é vista com desconfiança.

O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, rebateu as críticas e defendeu a volta do investimento estatal, alegando que outros países também estão nessa trilha, enquanto o ministro da Casa Civil, Rui Costa, citou uma “criminalização” ao apoio do governo para o desenvolvimento industrial. “Qual nação desenvolvida não está fazendo isso hoje em dia?”, questionou.

Duas ausências chamaram quase tanta atenção quanto as cifras bilionárias: Fernando Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento. Os dois ministros, de perfil mais fiscalista, ficaram debruçados sobre os números do Orçamento de 2024 – sancionado por Lula ontem, no último dia do prazo. Uma reunião com o ministra do Planejamento fez com que Lula e Costa chegassem quase uma hora atrasados ao evento. Ao fim, o presidente afirmou que eles tiveram “uma discussão ruim sobre coisas boas”. Lula afirmou que os R$ 300 bilhões são um “alento” para a indústria “dar um salto de qualidade”. “O nosso problema era dinheiro. Se dinheiro não é problema, então, nós temos de resolver as coisas com muito mais facilidade”, disse Lula, ao cobrar os ministros para que apresentem resultados.

Como é o plano que prevê R$ 300 bi em financiamento e subsídios à indústria

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou nesta segunda-feira, 22, um plano de estímulo à indústria brasileira, que enfrenta um quadro crônico de estagnação e perda de competitividade. Batizado de Nova Indústria Brasil, o pacote reedita políticas de antigas gestões petistas ao prever R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios ao setor, até 2026, além de uma política de obras e compras públicas, com incentivo ao conteúdo local (exigência de compra de fornecedores brasileiros).

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lidera a iniciativa, mobilizando R$ 250 bilhões dos R$ 300 bilhões previstos em créditos ao setor produtivo. Desse total, R$ 77,5 bilhões já foram aprovados em 2023, sendo R$ 67 bilhões do banco de fomento e R$ 10,5 bilhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que administra o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Uma das linhas já disponíveis é o Programa Mais Inovação, que concede crédito cobrando a variação da Taxa Referencial mais um adicional de 2%. Segundo o Palácio do Planalto, trata-se dos “menores juros já aplicados para financiamento à inovação no País”. Outros R$ 20 bilhões serão concedidos exclusivamente pelo Finep, por meio de recursos não-reembolsáveis, ou seja, que não precisam ser devolvidos e que serão distribuídos via chamadas públicas e editais.

No evento, Lula afirmou que os R$ 300 bilhões são um “alento” para a indústria “dar um salto de qualidade”. “É muito importante para o Brasil que a gente volte a ter uma política industrial inovadora, totalmente digitalizada, como o mundo exige hoje, e que a gente possa superar de uma vez por todas esse problema de o Brasil nunca ser um país definitivamente grande e desenvolvido”, afirmou o presidente.

“O nosso problema era dinheiro. Se dinheiro não é problema, então nós temos que resolver as coisas com muito mais facilidade”, disse Lula, ao cobrar os ministros para que apresentem resultados pelo novo programa. A fala do presidente chama a atenção num contexto de grande incerteza em relação ao cumprimento da meta de déficit zero neste ano, com a equipe econômica debruçada sobre o Orçamento, que precisa ser sancionado até esta segunda-feira, 22.

“Muitas vezes, para que o Brasil se torne competitivo, tem que financiar algumas das coisas que ele quer exportar. A gente não pode agir como a gente sempre agiu, achando que todo mundo é obrigado a gostar do Brasil e que todo mundo vai comprar no Brasil sem que a gente cumpra com as nossas obrigações. O debate a nível de mercado internacional é muito competitivo, é uma guerra”, disse Lula.

“Muita gente fala em livre mercado quando é para vender, mas, quando é para comprar, protege o seu mercado como ninguém”, complementou o presidente.

Economistas, porém, são críticos ao formato do novo plano e veem um “vale a pena ver de novo”. Em entrevista ao Estadão, o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, afirmou que a política é uma “velha roupagem de coisas que a gente já conhece: uma velha política industrial baseada em usar recursos” públicos.

Vale se refere à política de estímulo à industrialização iniciado no segundo mandato de Lula, que elegeu empresas de setores específicos na chamada política de campeãs nacionais. Além disso, concedeu crédito subsidiado, via BNDES, para compra de máquinas e caminhões e exigiu conteúdo local nas contratações feitas pela Petrobras (PETR4).

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Pontos do programa do governo para a indústria

Com o objetivo de impulsionar a indústria nacional até 2033, o programa Nova Indústria Brasil, lançado nesta segunda-feira (22) pelo governo, usa instrumentos tradicionais de políticas públicas, como subsídios, empréstimos com juros reduzidos e ampliação de investimentos federais. O programa também usa incentivos tributários e fundos especiais para estimular alguns setores da economia.

A nova política tem seis missões relacionadas à ampliação da autonomia, à transição ecológica e à modernização do parque industrial brasileiro. Entre os setores que receberão atenção, estão a agroindústria, a saúde, a infraestrutura urbana, a tecnologia da informação, a bioeconomia e a defesa.

A maior parte dos recursos, R$ 300 bilhões, virá de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Os financiamentos do BNDES relacionados à inovação e digitalização serão corrigidos pela Taxa Referencial (TR), que é mais baixa que a Taxa de Longo Prazo (TLP).

O mecanismo de compras governamentais provoca certa polêmica, por representar um entrave nas negociações para a adoção do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Os empresários europeus defendem condições de igualdade com as empresas brasileiras nas licitações para a compra de bens, a realização de obras e a contratação de serviços pelo governo brasileiro.

Veja os principais pontos do programa Nova Indústria Brasil, anunciado nesta segunda pelo governo federal:

Missões para o período de 2024 a 2033:

1. Cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais

–    aumentar para 50% participação da agroindústria no PIB agropecuário;

–    alcançar 70% de mecanização na agricultura familiar;

–    fornecer pelo menos 95% de máquinas e equipamentos nacionais para agricultura familiar.

2. Forte complexo econômico e industrial da saúde:

–    atingir 70% das necessidades nacionais na produção de medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos, materiais e outros insumos e tecnologias em saúde.

3. Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis:

–    diminuir em 20% o tempo de deslocamento de casa para trabalho;

–    aumentar em 25 pontos percentuais adensamento produtivo (diminuição da dependência de produtos importados) na cadeia de transporte público sustentável.

4. Transformação digital da indústria:

–    digitalizar 90% das indústrias brasileiras;

–    triplicar participação da produção nacional no segmento de novas tecnologias.

5. Bioeconomia, descarbonização, e transição e segurança energéticas:

–    cortar em 30% emissão de gás carbônico por valor adicionado do Produto Interno Bruto (PIB) da indústria;

–    elevar em 50% participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes;

–    aumentar uso tecnológico e sustentável da biodiversidade pela indústria em 1% ao ano.

6. Tecnologias de interesse para a soberania e a defesa nacionais:

–    autonomia de 50% da produção de tecnologias críticas para a defesa.

Recursos para financiamentos:

R$ 300 bi até 2026

–    Crédito: R$ 271 bi

–    Não reembolsáveis: R$ 21 bi

–    Equity (investimentos na bolsa de valores): R$ 8 bi

Fonte dos recursos: BNDES, Finep e Embrapii

Desse total, R$ 77,5 bi (28%) aprovados em 2023

Eixos:

Indústria Mais Produtiva (R$ 182 bi)

–    Expansão da capacidade e modernização do parque industrial brasileiro;

–    Novo Brasil + Produtivo: financiamentos com Taxa TR (juros reduzidos) para digitalização e financiamentos não reembolsáveis para até 90 mil micro e pequenas empresas;

–    R$ 4 bi do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) com Taxa TR para expansão da banda larga e conectividade.

Indústria Mais Inovadora e Digital (R$ 66 bi)

–    Financiamentos do Programa Mais Inovação: Taxa TR para apoio à inovação e digitalização pelo BNDES e pela Finep;

–    Financiamentos não reembolsáveis definidos pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI);

–    Criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico (FNDIT);

–    Ampliação do uso de instrumentos de Mercado de Capitais (recursos levantados no mercado financeiro) para as seis missões industriais.

Indústria Mais Exportadora (R$ 40 bi)

–    Criação do BNDES Exim Bank: versão do BNDES voltada para apoio à exportação;

–    Linhas de financiamento do BNDES para pré e pós-embarque de bens e aeronaves;

–    Redução do spread (diferença entre os juros cobrados do tomador e as taxas de captação dos bancos) nas linhas de preembarque.

Indústria Mais Verde (R$ 12 bi)

–    Novo Fundo Clima: projetos de descarbonização da indústria com juros a partir de 6,15% a.a;

–    Instrumentos de Mercado de Capitais voltados para transição energética, descarbonização e bioeconomia;

–    Fundo de Minerais Críticos: fundo para alavancar recursos para a pesquisa e a extração de minerais usados em baterias de energia limpa.

Outras medidas

–    R$ 20 bi para a compra de máquinas nacionais para a agricultura familiar;

–    R$ 19,3 bi do Programa Mover, para estimular tecnologias menos poluentes na indústria automotiva e desenvolver novas formas de mobilidade e logística

–    R$ 3,4 bi do Programa de Depreciação Acelerada para a modernização de máquinas e equipamentos;

–    R$ 2,1 bi em isenção tributária para estimular produção de semicondutores e painéis fotovoltaicos;

–    R$ 1,5 bi em incentivos tributários à indústria química;

–    Antecipação do calendário de aumento de mistura do biodiesel ao diesel: 12% em abril de 2023, 14% em março de 2024 e 15% a partir de 2025;

–    Reservas para compras governamentais: indústrias nacionais terão vantagem em licitações;

–    Exigência de conteúdo nacional: percentuais mínimos de compra de produtos nacionais em obras do PAC, definidos por uma comissão do governo.

Instrumentos

1. empréstimos;

2. subvenções;

3. investimento público;

4. créditos tributários;

5. comércio exterior;

6. transferência de tecnologia;

7. propriedade intelectual;

8. infraestrutura da qualidade;

9. participação acionária;

10. regulação;

11. encomendas tecnológicas;

12. compras governamentais;

13. requisitos de conteúdo local;

(Fonte: BNDES e MDIC)

Grupo FarmaBrasil: Novo programa foi feito mais com o ‘pé no chão’

O presidente do Grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, avalia que o novo programa de incentivo à política industrial, lançado pelo governo federal nesta segunda-feira, 22, é positivo e visto com bons olhos pelas empresas. “A sensação é de que é uma coisa feita mais com o pé no chão”, avaliou. O grupo representa empresas como Aché, Apsen, Eurofarma, Hypera Pharma e Libbs.

O executivo pontuou que, embora o programa, chamado de Nova Indústria Brasil, não tenha trazido grandes surpresas, preferindo apostar no aperfeiçoamento de medidas já em andamento, o programa tem seu mérito e propõe algumas novidades com execução viável.

Arcuri elogiou o envolvimento pessoal do ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e vice-presidente, Geraldo Alckmin, na condução do programa com a iniciativa privada. Para ele, o lançamento de hoje deu sinais de que o Poder Executivo está interessado em ter uma política industrial que funcione, e não em fazer uma coisa pro forma. “Vai dar um salto de qualidade no nosso setor”, disse.

A chamada “meta aspiracional” do programa na área da Saúde é ampliar de 42% para 70% a participação nacional na produção de medicamentos, vacinas, insumos, tecnologias em saúde, além de equipamentos e dispositivos médicos. Segundo Arcuri, o setor farmacêutico está pronto para as mudanças propostas, mas ainda aguarda um plano de ação mais detalhado por parte do governo.

Ainda na área da Saúde, o programa federal de fomento à indústria tem quatro áreas prioritárias: fármacos, medicamentos e terapias avançadas; vacinas, soros e hemoderivados; dispositivos médicos; tecnologias da informação e conectividade.

Com a iniciativa, o governo pretende reduzir a dependência externa de insumos na área, que atualmente é de 90%, criar um maior alinhamento entre a política industrial do País e a de comércio exterior, além de reduzir o custo do crédito, com foco tanto na área de insumos como em equipamentos.

Fiergs diz que acompanhará de perto execução prática e detalhes de plano Nova Indústria Brasil

A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) diz que estudará os detalhes do plano Nova Indústria Brasil, anunciado nesta segunda-feira, 22, pelo governo federal, para propor ajustes e fazer sugestões. De acordo com o presidente da entidade, Gilberto Porcello Petry, é preciso que os meios para atingir os objetivos propostos pelo plano sejam conduzidos com muito cuidado, para evitar erros cometidos no passado. “Como vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), estarei no acompanhamento da execução prática das medidas de Política Industrial do governo”, afirma..

Para ele, os objetivos do plano estão corretos e em sintonia com o trabalho realizado pelo Grupo de Política Industrial da entidade. “É importante que as autoridades máximas do País tenham reconhecido o papel da indústria como o setor básico para o desenvolvimento nacional”, diz.

Segundo Petry, a Fiergs vem posicionando a “centralidade” da indústria no crescimento brasileiro, pois a agricultura de precisão, por exemplo, se consolidou por meio de máquinas e equipamentos fabricados pelo setor, assim como não existiria o comércio virtual sem a indústria da tecnologia de informação. “Portanto, estamos na base de qualquer processo de desenvolvimento efetivo e bem planejado”, afirma.

Com Estadão Conteúdo e Agência Brasil

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Redação Suno Notícias

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