Javier Milei: Argentina vai romper relações com China ou Brasil?

Cerca de 48 horas após a eleição de Javier Milei na Argentina, os olhares globais seguem voltados para as movimentações políticas do novo presidente eleito, à medida que mandatários e porta-vozes de outras nações reconhecem a vitória do economista libertário. Em meio a polêmicas, Milei chamou atenção ao afirmar durante a campanha que não iria se relacionar com “países comunistas” e ameaçou até romper relações com Brasil e China.

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A vitória do candidato do La Libertad Avanza foi marcada por uma margem muito maior do que o esperado: quase 12 pontos de diferença em relação ao atual ministro da Economia do país, Sergio Massa. O resultado ocorre em meio a um cenário econômico desesperador no país vizinho ao Brasil.

A Argentina acumula uma inflação de cerca de 120% nos últimos 12 meses, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), do Ministério da Economia argentino. Além disso, 40% da população local está dentro da linha da pobreza.

Além disso, o mandatário chegou ao poder com uma série de desafios externos. Um dos principais deles é a renegociação das dívidas externas do país, que é o principal credor do Fundo Monetário Internacional (FMI). A relação conturbada com Brasil e China, os dois principais parceiros comerciais da Argentina, também está no radar. Milei tem dito que cogita deixar o Mercosul.

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A Argentina pode romper relações com Brasil e China?

O Brasil é o principal país comprador da Argentina e o segundo maior fornecedor do país, atrás somente da China. Em 2022, as exportações brasileiras somaram US$ 15,3 bilhões para o país, enquanto as importações chegaram a US$ 13,1 bilhões.

Apesar de relevante, o número representa uma queda significativa quando comparado há dez anos, em 2012, quando as exportações somaram US$ 19,6 bilhões e as importações atingiram US$ 16,4 bilhões.

Os números fazem com que, historicamente, a balança comercial seja positiva para o lado do Brasil, visto que o valor exportado para o país é maior do que o importado.

Em entrevista ao Suno Notícias, o economista André Perfeito observa: “O Brasil tem um superávit gigantesco contra a Argentina. As vendas que são feitas do Brasil para a Argentina também geram renda para a Argentina. Isso quer dizer que não vai ser tão simples dissolver um bloco econômico [Mercosul], desse jeito. Afinal, existem interesses já enraizados no tecido econômico da Argentina com o Brasil, o que também ocorre entre Argentina e China”

Ele acrescenta: “Eu acho que [o rompimento das relações bilaterais] vai ficar muito no campo de sinalização que não tem como se concretizar a curto prazo. O que eu vejo como mais preocupante nas relações bilaterais é que as propostas do Milei, como dolarização ou fim do Banco Central, têm um caráter que a curto prazo indicam algum tipo de recessão ou diminuição da demanda […] Objetivamente, a curto prazo uma política ortodoxa liberal não gera crescimento”

A relação da Argentina com a China também é peça-chave na economia argentina, visto que a Argentina se tornou o oitavo maior alvo de investimentos de Pequim em 2022. De acordo com um levantamento do Conselho Empresarial Brasil China (CEBC), o montante destinado pela China ao país latino-americano foi de US$ 1,34 bilhão no ano passado. No mesmo período, o aporte feito no Brasil pelo país de Xi Jinping foi de US$ 1,30 bilhão.

Dessa forma, é pouco provável que as relações comerciais entre os países sejam de fato prejudicadas, apesar da relação ríspida entre Javier Milei e Luiz Inácio Lula da Silva e o líder chinês Xi Jinping.

Não é à toa que ambos países – Brasil e China – reconheceram prontamente a vitória de Milei. Além disso, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning, declarou nesta terça-feira (21) que seria um “erro grave” se a Argentina cortasse as relações com o país asiático.

“Seria um grande erro diplomático para a Argentina cortar laços com grandes países como China ou Brasil”, disse Ning. “A China quer trabalhar com a Argentina para manter estáveis as relações. Há um grande sentido de cooperação econômica”, complementou.

“O Milei não vai conseguir implementar a agenda econômica a curto prazo. Se ele não conseguir fazer isso, vai tentar reforçar o caráter mais ideológico, o antagonismo contra o comunismo e o globalismo”, comenta Perfeito.

A pesquisadora do Observatório de Política Externa e da Isenção Internacional do Brasil (Opeb) Audrey Andrade Gomes destacou que a vitória de Milei deve reduzir a coesão do Mercosul e interferir no Brics, bloco econômico que o Brasil participa e reúne potências emergentes, como China, Rússia, África do Sul e Índia e que, recentemente, incluiu a Argentina no bloco.

“Talvez ele não consiga cumprir suas promessas de campanha, como a distância que ele quer manter com a China e o Brasil. Ele não tem como se desvencilhar dos principais parceiros da Argentina. Mas, ainda assim, ele pode criar problemas de integração que dificultem a coesão e solidez do Mercosul. O problema maior é o Brics, porque esse bloco tem proposta de usar outra moeda para transações comerciais que fujam ao dólar e essa não é a proposta do Milei”, afirmou. Milei defende que a Argentina adote o dólar estadunidense como moeda nacional do país.

A consultoria GOCO – Inteligência em Agronegócio publicou um relatório sobre os impactos da eleição de Milei no agro. O texto observa: O agronegócio local não concorda com eventual rompimento com a China e saída da Argentina do Mercosul – prometidas por Milei. O agronegócio argentino entende que seria um retrocesso retirar-se do Mercosul e, também, que a relação com a China é fundamental. É o principal comprador de carne da Argentina e hoje responde por 70% das exportações, portanto, é essencial para a Argentina. É pouco provável um eventual rompimento da Argentina com a China, prometido por Milei. Caso ela viesse ocorrer poderia abrir espaço para maior fluxo comercial sino-brasileiro, de farelo de soja e carnes. A China é o segundo maior parceiro comercial da Argentina, atrás apenas do Brasil.”

E completa: “Mas não se acredita nisso porque um país em crise em última instância pensa em romper relação comercial forte. Se realmente romperem, apesar de que dependem das compras da China, abre mais mercado para o processamento brasileiro. A China é relevante comprador de farelo de soja argentino. Em contrapartida, um possível rompimento da Argentina com a China poderia beneficiar a indústria brasileira.”

Milei na Argentina traz riscos futuros a exportações brasileiras, diz Icomex, da FGV

A vitória de Milei nas eleições para a presidência da Argentina não afeta, no curto prazo, as trocas comerciais do Brasil com o país, mas traz riscos futuros. Uma eventual saída dos argentinos do Mercosul prejudicaria o desempenho das exportações brasileiras, avaliou o relatório do Indicador de Comércio Exterior (Icomex) divulgado pela Fundação Getulio Vargas (FGV).

“A vitória de Milei poderá trazer riscos para o comércio bilateral do Brasil com o país. Mesmo que não cumpra a ameaça de sair do Mercosul, a Argentina não deverá colaborar para facilitar acordos que procurem melhorar os canais de comércio de bens e serviços na região”, resumiu a FGV.

O comércio com a Argentina rendeu um superávit de US$ 4,7 bilhões para a balança comercial brasileira no acumulado de janeiro a outubro deste ano, apesar da crise econômica que assola aquele país. O resultado é mais que o dobro do superávit de US$ 2,3 bilhões obtido pelo Brasil nas trocas comerciais com a Argentina de janeiro a outubro do ano passado.

“A vitória de Milei na Argentina levanta preocupações para o comércio externo brasileiro. Nada que afete no curto prazo o intercâmbio comercial, que já estava desacelerando com a crise argentina. Os riscos surgem com as incertezas trazidas por pronunciamentos durante a campanha presidencial. A saída do país do Mercosul, se ocorrer, traz impactos negativos para as exportações brasileiras beneficiadas com acordos (caso automotivo) e tarifas preferenciais. Além disso, poderá afetar o término das negociações com a União Europeia previstas para 7 de dezembro, que, mesmo sendo antes da posse do novo presidente, poderá ser contaminado com um cenário desfavorável”, avaliou a FGV.

O Icomex prevê um superávit recorde para a balança comercial brasileira em 2023, podendo chegar a US$ 100 bilhões. No relatório anterior, referente a setembro, a previsão era mais modesta, de um superávit de pouco mais de US$ 90 bilhões.

No acumulado do ano até outubro, o saldo da balança comercial alcançou um recorde de US$ 80,2 bilhões, sendo 53% desse superávit proveniente das trocas comerciais com a China, US$ 42,3 bilhões.

“Com esses resultados, o superávit de 2023 deverá ficar entre US$ 95 bilhões e US$ 100 bilhões”, previu a FGV.

Além de Argentina e China, houve também superávit para o Brasil no acumulado do ano no comércio com os demais países da América do Sul (US$ 9,0 bilhões) e com a Ásia excluindo a China (US$ 7,7 bilhões). Por outro lado, o Brasil acumula um déficit de US$ 2,3 bilhões de janeiro a outubro nas trocas comerciais com os Estados Unidos, e déficit de US$ 100 milhões no comércio com a União Europeia.

De janeiro a outubro de 2023, o volume exportado pelo Brasil para a China cresceu 29,3% ante o mesmo período do ano anterior; para os Estados Unidos, 4,6%; para a Argentina, 11,5%; e para a Ásia excluindo a China, 3,7%. Houve queda no volume exportado pelo Brasil para a União Europeia, -3,5%, e para os demais países da América do Sul, -3,9%.

“As projeções do Fundo Monetário Internacional são de desaceleração do crescimento dos Estados Unidos e de leve recuperação da União Europeia, mas em cenário incerto. Para o Brasil, o crescimento da China, que explica 30% das exportações, é o principal determinante. E, nesse caso, as previsões de menor crescimento do país poderão reduzir o aumento das exportações brasileiras. No tocante às importações, se confirmado o menor crescimento do PIB brasileiro em 2024, seria um fator a atenuar a redução do superávit comercial”, estimou o relatório do Icomex.

A expansão do superávit da balança comercial brasileira neste ano tem sido explicada pelo aumento do volume exportado e redução no volume importado, enquanto os preços têm recuado para os dois fluxos, observou o Icomex.

De janeiro a outubro de 2023, o volume exportado pelo Brasil cresceu 9,3% em relação ao mesmo período do ano anterior. Já o volume importado caiu 2,7%. Os preços das exportações recuaram 7,4%, e os das importações caíram 9,2%. Em valores, as exportações sobem 0,9% no acumulado do ano, enquanto as importações recuam 11,8%.

Para o professor Nildo Ouriques, a relação entre Brasil e Argentina, dada a dependência entre os dois países, não deve ser alterada. O presidente do Instituto de Estudos Latino-americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (Iela-UFSC) defendeu que a política é feita de atos, não de declarações.

“Uma campanha eleitoral na América Latina não tem a menor importância prática se você não vincular as declarações com os atos. Vamos ver o que o Milei vai fazer, mas será muito pouco. O Mercosul é o paraíso das multinacionais. Por isso mesmo, o bloco não corre nenhum risco. Acha que Lula ou Milei vão se enfrentar com as multinacionais? De jeito nenhum. Das 15 maiores empresas do comércio entre Brasil e Argentina, 13 são multinacionais”, explicou.

Ouriques acrescentou que as relações comerciais vão depender das condições econômicas dos dois países. “Pode aumentar o comércio do Brasil com a Argentina de Milei se for de interesses das multinacionais e dos comerciantes argentinos. O resto é discurso, é a arte de iludir necessária para processos eleitorais”, destacou.

Provocações entre Lula e Milei

Apesar de reconhecer a vitória do novo mandatário argentino, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ironizou Milei nesta terça-feira ao falar sobre uma “nova experiência econômica que surgiu pelo continente” e recomendar distância ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante o programa “Conversa com o Presidente”, transmitido pelas redes sociais.

A relação conturbada entre Milei e Lula não é recente. Durante a campanha, o economista argentino afirmou que o presidente brasileiro é “comunista” e “corrupto”.

Por outro lado, o ex-presidente Jair Bolsonaro divulgou imagens, na última segunda-feira (20), de uma ligação em vídeo com o novo presidente argentino e informou que foi convidado para a posse de Milei, que ocorrerá em 10 de dezembro.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, nesta terça-feira (22) que outros presidentes não precisam ser amigos dele, mas que é possível chegar a um acordo.

“Eu não tenho que gostar do presidente do Chile, da Argentina, da Venezuela. Ele não tem que ser meu amigo. Ele tem que ser presidente do país dele, eu tenho que ser presidente do meu país. Nós temos que ter políticas de Estado brasileiro e ele, do Estado dele”, disse Lula.

“Nós temos que sentar à mesa, cada um defendendo os seus interesses. Como não pode ter supremacia de um sobre o outro, a gente tem que chegar a um acordo. Essa é a arte da democracia: a gente ter que chegar a um acordo”, completou.

A declaração foi dada no Palácio Itamaraty, em Brasília, em discurso na cerimônia de formatura de diplomatas brasileiros no Instituto Rio Branco, escola diplomática do Ministério das Relações Exteriores (MRE).

No discurso, Lula disse que aos chefes de Estado de países da América do Sul aconselharia que, em vez de reclamarem dos problemas políticos, devem tentar resolvê-los com diálogo e aprender a conviver com as diferenças. “Temos que ser inteligentes e tentar resolver, tentar conversar, tentar fazer com que as pessoas aprendam a conviver democraticamente na adversidade, chegar a um acordo.” O presidente valorizou a capacidade de negociação e convencimento, e em alguns momentos, a de ceder nas relações para chegar a um acordo.

Milei visita EUA e Israel (e deixa Brasil de lado)

Antes de assumir a presidência argentina, a agenda de Javier Milei será marcada por visitas aos Estados Unidos e a Israel. Em entrevista à rádio argentina Mitre, Milei declarou que os destinos possuem conotação “mais espiritual do que outras características”. Mas o Brasil não está na agenda do novo presidente argentino.

Com Agência Brasil

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Giovanna Oliveira

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