Gamificação de investimentos avança no Brasil; entenda como funciona

Usar recursos de jogos para manter o usuário engajado é uma estratégia que, já há algum tempo, vem sendo utilizada no setor educacional e ganha espaço em novas frentes. Agora, a chamada gamificação avança no mercado de investimentos, sendo utilizada por empresas para cativar a atenção das pessoas na hora de fazer o cadastro, definir seus objetivos e até no momento de fazer aportes.

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A corretora e gestora de investimentos Warren e a corretora Easynvest, recentemente adquirida pelo Nubank, são alguns dos nomes que apostam nesta estratégia para levar o cliente para uma espécie de jornada dentro de seus sites ou aplicativos.

A Warren foi pioneira nesse tipo de sistema no país, implementando-o desde 2017. A Easynvest também vem trabalhando nessa frente. Ainda em 2021, ela pretende lançar dois recursos gamificados.

Um deles será  chamado “Monstro do Investimentos”, voltado para educação financeira. O outro, que está em desenvolvimento, será voltado para a área de fundos e pretende ajudar os clientes a terem uma maior compreensão sobre os produtos e a desenvolverem independência em suas decisões.

A gamificação dos investimentos tem ganhado maior fôlego em todo o mundo, e recentemente atraiu os holofotes do mercado, após o caso GameStop. O Robinhood, aplicativo que os investidores pessoas físicas americanos utilizaram para realizar a movimentação, é conhecido por usar este tipo de recurso em sua interface.

Além disso, os fóruns em que os investimentos massivos na ação da GameStop foram coordenados são conhecidos por abrigar a comunidade geek, também muito adepta aos jogos digitais.

Para entender melhor o que é gamificação, as vantagens e riscos desta estratégia nos investimentos, confira esta reportagem.

Gamificação pode ser usada para estimular aprendizado

Ao contrário do que pode parecer, gamificação não é um jogo. Segundo a designer de produtos da Easynvest, Monique Barreto, trata-se de uma estratégia que pode ser usada para qualquer tipo de atividade. “A gamificação pode ser aplicada praticamente em qualquer produto. Desde a área da saúde a investimentos”, afirma.

A principal característica da gamificação é o uso de diversos gatilhos de teorias da psicologia para levar o usuário a uma espécie de jornada dentro de um site ou de um aplicativo. Entre os recursos utilizados estão a curiosidade, a escassez, a criatividade, a sociabilidade e o desenvolvimento.

O Duolingo, plataforma de ensino de línguas, talvez seja um dos exemplos mais famosos que usam esse tipo de interface. Nele, técnicas de jogos são usadas para motivar os usuários a aprenderem um novo idioma.

Ao treinar todos os dias, você pode ganhar pontos que serão trocados por roupas para o seu boneco ou sair na frente no placar de um grupo de amigos.

Na Robinhood, quando os investidores fazem sua primeira negociação na plataforma, uma animação com confete aparece na tela do celular. Se alguém convidar um amigo e ele se inscrever no aplicativo, os usuários podem ganhar como recompensa uma ação famosa como da Apple (AAPL34) ou da Amazon (AMZN34).

É possível ainda ver no programa quais são as ações mais negociadas do momento. Todas essas recompensas e interações dentro do aplicativo são recursos da gamificação.

Recompensa dentro do aplicativo Robinhood
Recompensa dentro do aplicativo Robinhood

Fora das plataformas, ainda surgiram comunidades em volta desses aplicativos de investimentos. No TikTok, rede social de vídeos que virou febre entre adolescentes e jovens adultos, a hashtag “robinhoodstocks” tem milhões de visualizações.

Em alguns fóruns, como por exemplo no /r/WallStreetBets, de onde saiu a movimentação da GameStop, é comum ainda os participantes compartilharem suas carteiras e suas performances, o que reforça o sentimento de competição, também uma característica de jogos.

Nesse sentido, a plataforma de investimentos israelense EToro vai ainda mais longe na gamificação, ao deixar que investidores vejam as performances uns dos outros dentro do próprio programa.

No caso da Robinhood, o uso da gamificação gerou problemas. No final de dezembro de 2020, o órgão regulador do estado americano de Massachusetts entrou com uma queixa contra o aplicativo afirmando que ele se mostrava agressivo contra investidores novatos e que não implementou métodos para proteger seus usuários.

Segundo levantamento da instituição, um cliente sem experiência no mercado financeiro chegou a fazer 12,7 mil trades dentro do Robinhood dentro de um intervalo de seis meses.

“Eles contribuíram para o crescimento do mercado, mas trouxeram pessoas que não sabem muito sobre ele. Não são uma empresa responsável”, disse o secretário da Comunidade, William Galvin em entrevista à Bloomberg.

Em resposta, a plataforma afirmou que trabalha com transparência e que novas iniciativas no mercado costumam receber críticas do “establishment“.

Estratégia traz benefícios e riscos

A gamificação pode ser vista como um incentivo a mais para aqueles que não investem aderirem a esse comportamento.

“Gamificação para a educação financeira é muito interessante. Pode aproximar uma pessoa que não tem muito pique do mundo dos investimentos e do planejamento”, diz Vera Rita de Mello Ferreira, doutora em psicologia social, do Instituto de Psicologia Econômica e Ciências Comportamentais Vértice Psi.

Mas, ao mesmo tempo, há alguns riscos ao utilizar essas plataformas. Um deles é o usuário ficar dependente. “Acontece, às vezes, das pessoas se sentirem viciadas neste tipo de investimento, da renda variável. A gamificação pode reforçar essa tendência” diz a especialista.

As pessoas também podem correr riscos por não perceberem suas chances de perda. “Desconhecemos a probabilidade das coisas darem errado. Se tivéssemos clareza de que é um risco, evitaríamos. Temos sempre aversão a perda”, afirma a estudiosa.

Performances comparadas na plataforma EToro
Performances comparadas na plataforma EToro

Gamificar é algo que costuma ainda diminuir a pressão sobre algo. Ao tornar o processo mais simples e prazeroso, há o perigo também de as pessoas desassociarem a importância que os investimentos têm em suas vidas, ao verem aquilo com o mesmo olhar com que se vê um jogo ou uma brincadeira.

“O investimento é o seu patrimônio, não uma competição. Então, todo o cuidado é pouco”, conclui Vera Lucia.

Por esse motivo, as empresas vêm tentando trabalhar em soluções para esses riscos que são intrínsecos aos processos de gamificação.

Usuário precisa entender perigos

De acordo com a especialista da Easynvest, é possível ajudar o usuário a ficar ciente dos riscos dentro da uma plataforma gamificada.

“Você pode ajudar o cliente a criar uma consciência. Ele não vai colocar todo seu dinheiro em uma ação porque se ela cair ele vai ficar no prejuízo. Trazendo para a parte de jogos, alguém que saiba jogar bem não vai entrar em uma fase em que tem um monstro muito maior e mais forte do que o personagem. Você vai morrer e perder itens, ter problemas”, afirma Monique.

Ela explica que os pontos perigosos da gamificação são relacionados aos gatilhos de escassez, impaciência, perda, curiosidade e imprevisibilidade.

Recurso da Easynvest "Monstro dos Investimentos", que será lançado ainda nesse ano
Recurso da Easynvest “Monstro dos Investimentos”, que será lançado ainda nesse ano

Apesar de o perigo existir, as características intrínsecas ao games podem ser exploradas de forma positiva. “Quando você desperta o sentimento de perda, você tem o medo. O medo é bom, pois te dá a percepção daquilo que você pode fazer ou não. É possível despertar no usuário de uma plataforma gamificada o ‘pé atrás'”, diz Monique.

A Robinhood, segundo Monique, utiliza muito a questão da curiosidade ao incentivar os usuários a tentarem “adivinhações” de como as ações irão performar. “É, em parte, o comportamento das pessoas que gostam de trade, que estão sempre esperando adivinhar o próximo número. É um comportamento semelhante ao aplicado em jogos de azar. São nesses pontos específicos em que as pessoas têm de tomar cuidado na hora de usar o recurso da gamificação”.

Segundo Monique, os recursos de jogos implementados mostraram resultados positivos nos testes feitos pela Easynvest. O segredo estaria no equilíbrio, ou seja, em saber dosar este tipo de recurso. “Nós vimos ganhos. Não precisamos aplicar esse recurso em toda a jornada. Mas ele ajuda a manter as pessoas mais na plataforma”, pontua. A gamificação pode transformar o processo de investir e de aprender sobre o assunto em um hobby e não em uma obrigação ou uma busca por recompensas.

Recurso é atrativo para ensinar investimentos

Em um cenário em que o tempo das pessoas nos computadores e celulares é cada vez mais disputado pelas plataformas, a gamificação se mostra um bom recurso para ensinar investimentos. “A ideia era como a gente podia simplificar o conhecimento para uma forma simples, tornar isso algo consumível mesmo para as pessoas que não tiveram educação financeira na infância”, conclui Monique.

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Igor Cavaca, analista de investimentos da Warren, vai no mesmo caminho ao afirmar que a gamificação ajuda as pessoas a entenderem investimentos como algo mais descomplicado. “Ela vem para tentar engajar cada vez mais o cliente. É difícil discutir investimentos e esse recurso ajuda nisso. Ajuda a mostrar que o mercado financeiro não é um bicho de sete cabeças”, afirma.

Vale destacar que o modelo de negócio adotado pela Robinhood não é permitido no Brasil. A plataforma americana não é, exatamente, uma corretora. Ela acumula ordens de compra dos usuários e repassa às corretoras, que acumulam as demandas para lucrarem com operações de high trade frequency, ganhando delas para isso.

“Nós lucramos com o trabalho oferecido aos nossos clientes. A Robinhood lucra com as corretoras, com os usuários não pagando nada. E há aquele ditado que, quando você não paga por um serviço, o produto é você”, afirma.

Para o analista, o mercado financeiro é algo bem regulado e, inclusive tem um processo burocrático. A Warren trabalha até mesmo nisso, para tentar tornar, por exemplo, o cadastro mais fácil.

O levantamento da documentação necessária é feita através de uma simulação de diálogo na corretora e não através de uma planilha que o usuário tem que preencher. “Tentamos simular uma conversa para preencher os dados que temos que mandar pra agência reguladora. Traçamos o perfil de investidor da mesma forma, tudo de forma interativa e menos maçante”, conclui.

Para saber a visão do órgão regulador do mercado de capitais no Brasil, a Suno Notícias entrou em contato com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Segundo a instituição, em qualquer abordagem utilizada na comercialização de valores mobiliários, deve existir total transparência sobre o emissor, características do produto e riscos.

“Independente da roupagem que se dê, a nós interessa a essência do que se oferece ao investidor”, afirmou a CVM.

Para o investidor, o importante é sempre ter em mente a importância do foco no longo prazo para o sucesso dos investimentos, aproveitando o lado positivo da gamificação na aprendizagem, sem se deixar levar pela empolgação.

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Vitor Azevedo

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