Bloqueio de ações de ofertas 476 é resultado de falhas de controle, dizem fontes

Investidor pessoa física estava comprando ações que não podia nas corretoras de valores – e ‘ninguém’ percebeu. Entenda a história

O bloqueio de ações nas operações de compra e venda na última quinta-feira (30), em corretoras de valores, causou alvoroço no mercado e segue sem respostas oficiais, tanto por parte das corretoras quanto da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

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Segundo fontes do mercado, no entanto, a explicação para o bloqueio de ações é bastante simples: não havia nenhuma trava que impedisse investidores comuns de comprar papéis voltados para investidores qualificados — embora fosse algo proibido pela Instrução 476, que regulamenta essas operações restritas.

Do dia para a noite, as corretoras de valores foram repreendidas pelos órgãos reguladores e passaram a bloquear as negociações de investidores de varejo em ações emitidas por meio de ofertas restritas.

Para entender melhor, antes é preciso saber a diferença entre ofertas de ações públicas e restritas. O primeiro caso, chamado de Instrução CVM 400 (ICVM 400), é aquela emissão voltada para qualquer investidor. São operações mais amplas, demoradas e que envolvem maior burocracia, justamente para tentar proteger o investidor pequeno que terá acesso.

Já o segundo caso é a oferta restrita, ou Instrução CVM 476 (ICVM 476), voltada apenas para investidores profissionais, com mais de R$ 10 milhões declarados em investimentos no mercado financeiro, ou investidores qualificados, com mais de R$ 1 milhão.

Nessas operações, as ações da empresa podem ser oferecidas para 75 investidores e apenas 50 podem aderir. A exigência de informações é menor e o processo é mais rápido e barato para as empresas.

De acordo com o regulamento da Instrução 476, depois dos IPOs, as ações emitidas para ofertas restritas devem permanecer bloqueadas para o investidor comum por 18 meses. Acontece que essa regra não estava sendo respeitada.

Na prática, os papéis ficavam disponíveis nas corretoras de valores logo após a abertura de capital pela empresa. Com isso, o investidor pessoa física conseguia comprar ativos que, em tese, não são voltados para ele.

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Novidade para o mercado

Foi o que aconteceu com Gabriel Rodrigues, 21 anos. Estudante de Economia na Universidade Federal de Juiz de Fora, Gabriel negocia no mercado de ações há dois anos.

Logo depois da estreia da Vamos na Bolsa, em janeiro deste ano, o universitário comprou ações da empresa na corretora Clear, como já havia feito com outras companhias. “Quando comprei não sabia do bloqueio de 18 meses, a corretora não me avisou dos riscos e nem que isso poderia ter acontecer”, relata Gabriel.

Na quinta-feira, ao saber do bloqueio das negociações, Gabriel conta que ficou surpreso. A notícia só não foi pior porque ele comprou o papel com foco no longo prazo, e não pretendia vender.

“Eu me sinto confortável com a minha posição, pois foi um investimento pensando no longo prazo. Então não desejo me desfazer mesmo quando estiver liberado.”

Ainda assim, o estudante de economia relata se sentiu prejudicado pela falta de informação e transparência por parte da B3 e das corretoras.

Assim como Gabriel, muita gente conheceu o mundo dos investimentos nos últimos dois anos. O número de CPFs na Bolsa brasileira saltou de 500 mil em 2017, para 1,5 milhão em 2019. Hoje, já são quase 4 milhões. E as diferentes legislações podem não ser claras para os novos investidores, e eles acabam comprando os papéis disponíveis no home broker.

“As corretoras, em geral, seguem a regra. Elas não estimulam a prática de investidores pequenos comprarem ações 476, mas também não coíbem. Ninguém controla muito bem. Apenas algumas discrepâncias que chamam atenção, mas o cumprimento da regra, à rigor, não é feito”, afirmou uma fonte do mercado próxima a uma grande corretora brasileira.

Contudo, o mercado passou por fortes turbulências nas últimas semanas. O Ibovespa teve sua maior queda mensal, de 6,6%, desde março do ano passado. Segundo fontes ouvidas pelo Suno Notícias, isso pode ter levado os investidores de varejo a questionarem o movimento negativo das ações, chamando atenção da CVM para o problema.

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Mercado corre atrás do erro

Foi então que a CVM teria pressionado a B3 (B3SA3) para que a regra fosse seguida, segundo fontes do mercado. Afinal, as ofertas em questão eram voltadas para investidores profissionais e qualificados. A B3, por sua vez, questionou as corretoras e as mesmas travaram a negociação dos ativos.

Para João Vitor Velloso, advogado especialista em mercado financeiro, embora gere insegurança operacional por parte dos investidores, a medida da CVM e da B3 não está errada.

“O fato de não fazer o bloqueio no passado, não invalida a regra que está prevista no regulamento. Se houve um erro de fato, e agora está sendo corrigido, me parece lícito fazê-lo”, afirma o jurista.

Entretanto, agora os investidores não conseguem movimentar os papéis, em meio a uma aversão ao risco global. “O prejudicado é o investidor que comprou as ações e não pode mexer, mesmo com a regra não sendo apresentada de forma clara”, afirma uma fonte do mercado.

Confira algumas das empresa que fizeram ofertas restritas do ano passado até hoje, e tiveram a negociação de suas ações bloqueadas por corretoras — o desempenho é referente aos últimos 30 dias:

Investidores aguardam revisão de regras

Existe uma expectativa de que a regra do jogo possa mudar. Em março, a CVM abriu audiência para a reforma das ofertas públicas. A autarquia informou que o “objetivo é modernizar, harmonizar e consolidar as regras, que atualmente estão compreendidas, principalmente, pelas Instruções 400 e 476”.

Integrantes do mercado poderiam enviar sugestões até o dia 8 de julho, e o fizeram. Na última quarta-feira (29), as novas instruções da CVM foram tema da palestra realizada no 22º encontro internacional de relações com investidores e mercado de capitais.

O clamor é pela aceleração dos processos que possam facilitar e fomentar a chegada de novos investidores à Bolsa e desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil.

“Esse problema mostra como nossas regras, tanto da B3 como CVM, estão desatualizadas em relação ao mercado financeiro mundial”, comentou uma fonte de empresa de investimento com bilhões sob gestão.

“Nosso mercado ainda está se desenvolvendo, mas nossas regras e normas estão obsoletas. A denominação do tipo de investidor também é atrasada.”

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Reclamação sobre bloqueio de ações viraliza

Os investidores que foram pegos de surpresa pela trava das corretoras mostraram nas redes sociais suas indignações com o ocorrido.

De quem é a culpa pelo bloqueio de ações?

As empresas envolvidas no caso também estão em busca de mais informações. Procurada pelo Suno Notícias, a 3tentos declarou que recebeu o contato de alguns acionistas relatando o caso.

“Nesse momento estamos avaliando a situação, sendo que o ocorrido se trata de uma fiscalização não feita pelas corretoras”, afirmou a empresa. A companhia ressaltou que grande parte dos acionistas possuem posições relevantes, o que pode indicar serem investidores qualificados.

Procuradas pela reportagem, as seguintes corretoras não se pronunciaram até o momento:

A Clear, do grupo XP, disse que desconhecia o caso e que mais informações deveriam ser solicitadas à B3.

A empresa que cuida da Bolsa brasileira, por sua vez, reforçou que as ofertas são destinadas a investidores profissionais e qualificados. Veja a nota na íntegra:

“A B3 esclarece que a Instrução 476, e não as normas da bolsa, estabelecem que ofertas iniciais de ações com esforços restritos são direcionadas exclusivamente a investidores profissionais, no momento da oferta, e a investidores qualificados nos 18 meses seguintes de negociação no mercado secundário. Conforme definido no artigo 16 da mesma Instrução, os intermediários (corretoras) são responsáveis por essa verificação e controle.”

Procurada pelo Suno Notícias, a CVM não deu se posicionou sobre o bloqueio de ações até o fechamento desta matéria.

(Colaboração de Monique Lima e Natalia Gómez)

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Jader Lazarini

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