Antes da Gafisa: confira a trajetória de Mu Hak You e da gestora GWI

A Gafisa (GFSA3), uma das maiores construturas do Brasil, está enfrentando um dos momentos mais turbulentos de seus 65 anos de atuação. A empresa tenta superar a crise do mercado imobiliário brasileiro, que não dá sinais de melhoria, e também dificuldades internas a diretoria. Uma conjuntura negativa que está levando a Gafisa a beirar a declaração de recuperação judicial.

Muitos desses problemas derivariam das decisões tomadas no período em que a gestora GWI Asset Management era a principal acionista. Em 2017, o sul-coreano Mu Hak You começou a comprar ações ordinárias da Gafisa. Até chegar a 50,17% dos papeis da construtora, em janeiro de 2019.

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A ex-CEO da Gafisa, Ana Recart, oriunda da GWI, assumiu o controle em setembro de 2018. A partir daquele momento, uma série de medidas foram tomadas para, supostamente, melhorar as contas da construtora. Algumas das quais bastante controversas. Entre elas estão:

  • a demissão de 50% dos funcionários (de 740 para 370);
  • o adiamento de lançamentos;
  • a revisão de contratos;
  • a suspensão de pagamentos a fornecedores;
  • e um programa de recompra de ações.

Muitas dessas decisões acabaram tendo um efeito negativo sobre a empresa.

Por isso, no dia 15 de abril, o novo CEO da construtora Gafisa, Roberto Portella afirmou que os efeitos das ações da gestora GWI Asset Management serão estudados. No último sábado (4), o “Estado de S. Paulo” informou que acionistas da construtora querem acionar da gestora de Mu Hak You.

O grupo de investidores acredita que a GWI agiu de má fé enquanto presidiu a companhia.

A Gafisa é apenas uma das polêmicas que envolvem a GWI e seu fundador. Confira quais foram os principais casos nos quais o gestor Mu Hak You foi protagonista. Muitos dos quais envolvem empresas brasileiras consagradas.

Quem é Mu Hak You?

O sul-coreano Mu Hak You chegou ao Brasil com 18 anos, e passou a residir no bairro do Bom Retiro, em São Paulo (SP). Na capital paulista, Mu Hak deu início à sua carreira na área de fusões e aquisições do extinto Bankers Trust, e então passou para o CitiBank (CTGP34).

A GWI foi fundada em junho de 1995 por Mu Hak, que atualmente é o CEO da gestora, além de treze sócios. O objetivo dos fundadores era criar um banco dedicado a comunidade coreana no Brasil.

Contudo, em novembro de 1998 o CEO comprou todas as ações dos sócios e alterou os rumos da atividade, decidindo investir no mercado acionário.

Na época, com 25 funcionários, o escritório da GWI ficava localizado na rua Ribeiro de Lima, no mesmo bairro em que Mu Hak morava, ao lado do Parque da Luz.

Segundo a “IstoÉ Dinheiro”, a organização do escritório refletia o perfil autoritário de seu presidente. Por exemplo, Mu Hak teria ordenado os analistas e operadores em estações de trabalho viradas para a mesma posição, e instalou sua mesa no fundo da sala. Desta forma, ele podia observar todos os monitores de todos os funcionários.

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E nem mesmo sua própria família escapava desse monitoramento. O herdeiro de Mu Hak, Thiago You, batia ponto na empresa desde adolescente. A esposa e a filha mais velha do fundador da GWI  também trabalhavam junto com ele.

Atualmente, Mu Hak é conhecido como “o rei do termo” na Avenida Faria Lima, epicentro do mercado financeiro na capital paulista, onde a GWI está instalada. O apelido provém de sua estratégia preferida para obter lucros. O sul-coreano visa a compra futura de ações dadas em garantia nas operações no mercado a termo.

De acordo com o economista da Suno Research, Tiago Reis, “o mercado a termo é o mercado onde se realiza a negociação de contratos futuros de ativos. Ou seja, é nesse mercado que são feitos acordos entre duas partes para comprar ou vender um ativo em uma data futura, por um preço estabelecido previamente. Esse tipo de transação é chamada de derivativo“.

GWI e Lojas Americanas

Em 2007, Mu Hak aumentou a participação de ações com voto nas Lojas Americanas (LAME4), de 5,2% para 16,2%. O CEO da GWI também passou a ser membro do Conselho de Administração da empresa, ao lado dos investidores Carlos Alberto Sucupira, Marcel Herrmann Telles e Jorge Paulo Lemann.

O foco das Lojas Americanas, naquele período, era de tornar-se uma companhia global do varejo.

Jorge Paulo Lemann comprou a Brahma, depois a Antártica. Partiu para a América Latina, se juntou com a belga Interbrew e depois com americana Budweiser. É exatamente assim que queremos fazer”, afirmou Mu Hak à “IstoÉ Dinheiro” em 2008.

Entretanto, 2008 foi o ano da crise do subprime, que abalou o mercado mundial e impulsionou a recessão em diversos países.

A crise prejudicou muitos fundos, que foram fechados para captações e resgates passados quatro anos consecutivos de rendimentos. A fim de evitar a falência, o CEO da GWI se desfez de parte do portfólio, e vendeu as ações das Lojas Americanas.

Saiba mais – Gafisa: acionistas querem acionar GWI por danos à companhia

GWI x Socopa

Outro revés enfrentado pelo sul-coreano ocorreu em agosto de 2011. Naquele ano, o fundo de Private Equity desvalorizou 273% em um único dia. Dessa forma, o patrimônio da GWI ficou negativo em R$ 25 milhões.

Fundos alavancados, como o exemplo citado, podem ter perdas superiores ao total de ativos. Isto, pois, a alavancagem possibilita a realização de operações com valores acima do saldo disponível na ocasião.

A retração do fundo foi devida, principalmente, pela queda dos papéis da Marfrig (MRFG3). Entre abril e agosto de 2011, as ações da companhia caíram 92%.

O gestor havia adquirido 5% das ações da Marfrig em uma operação a termo, custodiada pela corretora Socopa.

A GWI foi forçada a comercializar alguns papeis para cobrir as margens negativas. Mas, os ativos haviam sido dados como garantia à Socopa. Em meio ao forte prejuízo, a corretora liquidou a posição na Marfrig

Mu Hak acusou a Socopa de “falta de bom senso”, por vender as ações em apenas cinco dias, e ter ampliado as perdas em 30%.

A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) avaliou que a gestora havia realizado operações acima do permitido. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), então, decidiu em 2017:

  • multar a GWI em R$ 7,6 milhões;
  • e suspender por cinco anos a autorização de Mu Hak para administração de carteira de valores mobiliários.

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GWI e Livraria Saraiva

Entretanto, o caso mais polêmico envolvendo a GWI aconteceu em 2016. Com 38,6% das ações preferenciais da Livraria Saraiva (SLED4), o sul-coreano tentou tomar o controle da companhia.

Naquele ano, a marca perdeu 30% do valor de mercado. Assim, o gestor pressionou minoritários a fim de retirar o comando das mãos de Jorge Saraiva Neto e sua família.

A família Saraiva reagiu, entrando com uma representação na CVM para investigar abuso de direito de acionista, entre outras infrações.

O sul-coreano foi acusado de invadir a sede da empresa no feriado de Corpus Christi para verificar documentos. Mu Hak foi afastado em decisão da Assembleia Geral de Acionistas após a acusação. E quem assumiu sua cadeira foi o seu filho, Thiago.

Então, a GWI foi vendendo aos poucos a participação na Livraria Saraiva, até que zerou a participação na companhia em abril de 2017.

Saiba mais – Gafisa estudará gestão da GWI na empresa; AGE elege conselho

Por fim: a Gafisa

A construtora está tentando superar o período turbulento de comando da GWI, que teve início em setembro de 2018. Seis meses complicados se passaram, que foram somados à conjuntura difícil para o setor da construção. Um dos segmentos da economia brasileira mais afetados pela recessão.

Mu Hak You comprometeu-se a recuperar rapidamente o valor da companhia, principalmente por meio da redução de custos. A partir de setembro de 2018, quando assumiu o controle da Gafisa, a GWI cortou funcionários, suspendeu pagamentos a fornecedores e fechou abruptamente a filial no Rio de Janeiro.

Executivos de alto escalão da construtora foram substituídas com advogadas sem muita experiência no setor das construções. Esse conjunto de medidas não foi bem acolhido pelo mercado, e as ações ordinárias da Gafisa na B3 começaram a despencar:

  • Em 31 de julho de 2018, antes da GWI entrar na na gestão da construtora, as ações encerraram em R$ 12,23.
  • Em 15 de abril, quando a gestão de Portella anunciou que as medidas tomadas pela gestora na Gafisa seriam estudadas, as ações encerraram cotadas a R$ 6,94.

Nesta segunda-feira (6), as ações ordinárias da Gafisa caíam 1,59% a R$ 5,56, por volta das 14h38. A queda ocorre após ser divulgado o fato dos acionistas desejarem processar a GWI. Além disso, a Associação Brasileira de Investidores (Abradin), está cobrando da atual administração da construtora que a responsabilização de Mu Hak You seja pauta da próxima Assembleia Geral de Acionistas (AGE).

Amanda Gushiken

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