Vale investir em um cemitério? Veja o que pensam especialistas sobre o (valorizado) FII CARE11

Falar de morte pode ser um tabu, mas e investir no setor? É isso que os investidores têm considerado após a valorização de 72,34%, nos últimos seis meses, do único fundo imobiliário listado no Índice de Fundos de Investimentos Imobiliários (IFIX) de cuidados com a morte (Death Care), o Brazilian Graveyard And Death Care, negociado sob o ticker CARE11.

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Se alguns ativos em renda variável estão assustando investidores em tempos de alta de juros, não é o caso deste fundo de cemitérios: o CARE11 conta atualmente com uma base de 9.439 mil cotistas e a liquidez média diária das cotas na B3 é de R$ 1,4 milhão. Entre os fundos imobiliários, a maior média atualmente é a do Kinea Índice de Preços (KNIP11), de R$ 9,6 milhões. Mas, afinal, no que o fundo investe e qual é sua tese?

O sócio e diretor comercial da Zion, gestora responsável pelo FII CARE11, Francisco Garcia, explica que o setor de cemitérios é um dos mais promissores do mercado brasileiro, do ponto de vista, claro, do investimento em um ativo.

Entenda a tese de investimento do FII CARE11

A tese de investimento do FII CARE11 leva em conta a informação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de que, no ano de 2046, a taxa de mortalidade no Brasil vai superar a de natalidade. Com isso, o fundo investe no Grupo Cortel, empresa de cemitérios e serviços funerários, que corresponde a 55% dos ativos do fundo e é o maior player do mercado com apenas 11 cemitérios. Mas não é apenas esse dado.

“O boom que houve no setor de hospitais deve se repetir em death care, setor funerário. Ele é muito fragmentado e existe uma grande oportunidade de consolidação”, diz Francisco Garcia.

Valor Patrimonial do CARE11. Foto: Fundsexplorer
Valor Patrimonial do CARE11. Foto: Fundsexplorer

O Grupo Cortel chegou a pedir, em novembro de 2020, registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para a abertura de capital (IPO, em inglês). Mas desistiu de dar continuidade ao processo em março de 2021.

Agora, o grupo tem como foco participar do processo de licitação dos cemitérios de São Paulo para operar por 25 anos, o que deve acontecer em 26 de julho deste ano.

O grupo levantou R$ 200 milhões, em abril último, com a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) para ficar com pelo menos um dos quatro blocos oferecidos pela prefeitura à iniciativa privada. Somente em outorga, o Cortel pode gastar entre R$ 100 milhões e R$ 180 milhões.

Desse modo, além de basear-se nos dados do IBGE, o FII CARE11 também aposta no Grupo Cortel como um grande player do setor. “A estratégia do FII é se consolidar nesse mercado via Cortel, que vai participar da privatização. O processo vai acontecer agora em São Paulo, e acreditamos que deve ocorrer futuramente nas grandes cidades do Brasil”, afirma Garcia.

Na visão do analista de fundos imobiliários da XP, Daniel Chinzarian, as famílias brasileiras hoje são menores, o que contribui para o envelhecimento da população. No entanto, Chinzarian lembra que os brasileiros estão vivendo mais. A expectativa de vida do brasileiro é de 76,8 anos, segundo os dados mais recentes do IBGE, divulgados no ano passado.

“Na pandemia, com o número alto de óbitos, a demanda subiu, e foi nesse momento em que o fundo cresceu bastante em números de cotistas e em sua liquidez no mercado secundário. Hoje estamos vendo menos jovens e famílias menores, mas por outro lado as pessoas estão vivendo mais”, observa o analista.

Além disso, Chinzarian explica que o FII CARE11 não tem nenhuma estratégia diferente do mercado desse segmento que explique a valorização de mais de 70% nos últimos meses.

Mas, então, por qual motivo o fundo subiu tanto?

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Valorização do CARE11: efeito manada ou potencial de investimentos?

Na visão do Francisco Garcia, a valorização do FII CARE11 foi causada por uma combinação de fatores.

O primeiro está ligado ao Grupo Cortel, que no ano passado quase efetivou o IPO, o que fez com o mercado financeiro conhecesse mais a empresa. Depois, Garcia associa a alta com as notícias na mídia sobre a privatização de cemitérios públicos, que passaram a chamar atenção de grandes grupos e, também, a entrada do fundo imobiliário no IFIX junto ao valor “barato” que o ativo tem.

“Quando o investidor mais qualificado entende a tese e compreende a oportunidade, acaba investindo no fundo. Os investidores mais qualificados acabaram entrando no FII fazendo com que o fundo valorizasse mais neste ano”, lembra Garcia.

Já para Chinzarian o efeito de valorização visto no fundo também se explica pelo efeito manada — quando indivíduos são influenciados a seguir ações de outros — à medida em que a cota foi subindo.

O especialista de Fundos Imobiliários da L&S Análise, Marcelo Fayah, também cita o efeito manada na valorização do fundo. “Os investidores viram o fundo negociado bem abaixo do valor patrimonial, a poucos reais, e podem ter pensado que fundos investiriam nele. Tentaram se adiantar na compra. Talvez o fundo esteja de fato barato, mas não há como saber, porque não se tem informação.”

Por sua vez, o especialista de fundos imobiliários da SUNO Research, Marcos Correa, aponta duas possíveis causas para a valorização do fundo:

  1. Início de pagamento de rendimento;
  2. Fundo especulativo.
Histórico de dividendos do CARE11. Foto: Fundsexplorer
Histórico de dividendos do CARE11. Foto: Fundsexplorer

“Se você analisar o histórico, consegue ver que nem sempre o fundo paga rendimento. Acredito que esse pagamento somado a cota a um valor baixo pode ter influenciado o investidor. Além disso, o investidor não consegue estudar esse fundo. Portanto, acredito que seja altamente especulativo”, avalia Correa.

“Minha boca é um túmulo”? Fundo ainda não divulga relatórios

Os especialistas apontam que o mercado de fundos imobiliários está crescendo e se tornando mais atrativo para os investidores. E o norte para esse segmento é a publicação de relatórios gerenciais, lives com participação das gestoras e demonstração de aplicações da carteira.

No entanto, a gestão do CARE11 vai na contramão de todo o mercado e não tem a política de divulgar relatórios e tampouco aparecer em lives.

“Esse é o único fundo que temos nesse setor de death care e temos poucas informações. O fundo quase nunca divulga relatório gerencial e mostra o que tem na carteira. Então essa falta de transparência torna mais difícil analisar o fundo”, nota Chinzarian.

Correa completa: “Fundos que seguem esse modelo do CARE11, em que não há divulgação de relatórios nem presença pública do gestor, não são opções interessantes de estudos, porque não se consegue fazer o acompanhamento.”

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Fayah comenta ainda que a divulgação de relatórios é o básico do mercado de fundos imobiliários e questiona o motivo pelo qual a gestora Zion não divulga os dados.

Em entrevista ao SUNO Notícias, o responsável pelo FII disse que não há um motivo para a não divulgação de relatórios, mas que, com a entrada no IFIX, a gestora vem percebendo a necessidade de informar o mercado sobre os investimentos e sua tese.

“Estamos elaborando um relatório mais completo para esse novo investidor que não entende do setor, para poder melhor compreender o setor e o fundo”, promete.

Marcos Correa faz um alerta de que o CARE11 é um caso ainda mais específico. Isso porque a maior parte do portfólio é focado em ações de duas empresas que trabalham neste setor. Ou seja, não é diretamente o fundo que atua no segmento. Fica ainda mais difícil de acompanhar o que acontece por dentro.

Afinal, vale a pena investir em CARE11?

Francisco Garcia argumenta, sem induzir a compra, que existem três pontos interessantes para o investidor no FII CARE11.

  1. Oportunidade de compra em papel com desconto
  2. Mercado em consolidação
  3. Setor que cresce independente

“Hoje o papel está sendo negociado com desconto alto, sendo uma oportunidade para os investidores. Além disso, o mercado está em plena consolidação do maior player que existe hoje no Brasil que é a principal investida do CARE11. É um setor que vai crescer independente do que acontecer na economia ou na política”, conclui Garcia. Para o sócio da Zion, investir nesse setor é ainda a possibilidade de diversificar a carteira com um produto que é “quase hedge”.

De fato, Fayah explica que o mercado de death care tende a crescer de forma constante e resiliente, sem depender de momentos econômicos. A questão não é tanto o crescimento, mas sim a consolidação. Apesar dessa análise, para o especialista não vale a pena investir no CARE11. Esse segmento, segundo ele, deve ser seguido apenas por investidores profissionais que conhecem o setor e tem o conhecimento do que o fundo está fazendo.

“O FII CARE11 só vai se tornar um investimento interessante depois que o mercado estiver consolidado, porque aí o investidor será sócio de uma empresa que será grande pagadora de dividendos e forte geradora de caixa. Nesse caso, o investidor vai ter o que quer: dividendos e segurança. Hoje ele não tem isso”,

Simulação do CARE11. Foto: Fundsexplorer
Simulação do CARE11. Foto: Fundsexplorer

Para Correa, o estudo para ser cotista do fundo deve valer, talvez, para um investidor institucional que tenha realmente informações sobre o fundo. Sem indicar recomendação, o especialista alerta que a SUNO Research traz ao investidor checklist para se analisar antes de investir em qualquer ativo de fundos imobiliários, e o CARE11 não atende nem o primeiro, que é a divulgação do relatório gerencial.

O analista da XP alerta ainda que o investidor precisa, antes de investir, entender qual o risco do investimento e se ele está de acordo com a relação risco-retorno.

“É preciso tomar cuidado, conhecer a gestora, não só investir pelos dividendos ou rumores do mercado. Isso serve não só para o CARE11, mas também para todos os outros fundos do mercado”, aconselha.

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Poliana Santos

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