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Simone Pasianotto
Simone Pasianotto

O que estamos varrendo para baixo do tapete com o otimismo do PIB?

A leitura do PIB no primeiro trimestre deste ano, de +1,2% contra o último trimestre de 2020, veio acima das perspectivas de mercado (que projetavam ganho médio de 0,7%) e trouxe uma onda de otimismo que inundou os humores do mercado. É claro que podemos e devemos comemorar um resultado positivo e melhor do que o esperado, mas nem tudo são só flores.

Primeiro, precisamos entender que essa puxada advém de forças desiguais entre os itens que compõem o PIB, além de alguns serem efêmeros. Apesar do otimismo que abarca os economistas, que em sua grande maioria revisaram para cima suas projeções de PIB para 2021, muito mais próximo de +5,0% do que dos +3,0% no início do ano, a jornada da recuperação econômica continua em ritmo moroso ante um cenário bastante duvidoso de vacinação lenta, preços inflados, mercado de trabalho desmantelado, desemprego recorde e muita incerteza sobre o futuro pairando pelo ar.

De acordo com o levantamento do IBGE, a atividade econômica doméstica começou o ano com o pé direito, se recuperando dos danos à economia causados pelo remédio amargo do isolamento social compulsório para conter a pandemia de Covid-19. Apesar de o resultado no primeiro trimestre de 2021 ter sido menor do que o apurado nos dois períodos anteriores, ainda assim, o efeito foi suficiente para conduzir o PIB de volta ao patamar do quarto trimestre de 2019, período pré-pandemia, apesar de ainda se dispor cerca de 3% aquém do ponto mais elevado mensurado pelo IBGE, no primeiro trimestre de 2014. Em relação ao mesmo período em 2020, o PIB doméstico avançou 1,0%, primeira taxa positiva nessa base de comparação após um encadeamento de quatro recuos trimestrais. No acumulado em 12 meses, constata-se, contudo, retração de 3,8%.

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Entre os vetores relevantes que sustentam a retomada podemos citar: a arrancada da atividade agropecuária, a importância da chamada “poupança circunstancial”, a forte e contundente adaptação dos setores à pandemia e aumento do investimento. A resiliência da nossa economia nestes três primeiros meses do ano foram se confirmando paulatinamente muito por conta de dados associados ao setor formal: arrecadação de impostos, crédito, mercado de trabalho formal (Caged) e seguro-desemprego.

A despeito de termos registrado perda de renda no mês mais crucial da segunda onda da pandemia, em março, e da ainda alta taxa de desemprego, a renda agregada do trabalho, somada às transferências recentes, seguiu à frente com tendência de recuperação. Adicionalmente, observamos significativa aceleração no fluxo global a partir de fevereiro, com acréscimo proeminente dos preços das commodities e retomada da atividade nas economias centrais e na China. Esse cenário tem impulsionado a demanda local, com destaque para os setores do agronegócio e extrativista mineral, com impactos adjacentes a outros setores da economia como a indústria e a construção civil.

O PIB do setor agropecuário cresceu 5,7% no 1T21 x 4T20, ancorado na produtividade e no bom desempenho das lavouras de soja, da pecuária bovina e nas exportações do setor, enquanto a indústria apresentou alta de 0,7% no período. Mas vale lembrar que esse avanço proeminente é fruto do avanço da vacinação nos países desenvolvidos e pelo crescimento asiático, impulsionado pela China. Mais à frente, quando o ritmo de vacinação e de abertura das economias estiverem mais equalizados, gerando uma melhor acomodação entre oferta e demanda das cadeias produtivas globais, perderemos essa força do lado da demanda global, o que também não se sustenta no longo prazo.

Destacamos ainda a relevância da “poupança circunstancial” no bom resultado do PIB do primeiro trimestre deste ano, a despeito do gargalo deixado pelos estímulos emergenciais no início de 2020. Enquanto grande parte da população mais dependente do trabalho presencial viu a renda assistencial, muitas vezes acima dos ganhos habituais, desaparecer nos primeiros três meses do ano, a “poupança circunstancial” da população que conseguiu manter seus trabalhos remotamente, contribuiu significativamente para a retomada econômica. Ou seja, os recursos poupados compulsoriamente pela população que conseguiu manter seu nível de renda, ao ter deixado de viajar e ao ter reduzido significativamente seus gastos com lazer por exemplo, contribuiu para manter a roda da atividade econômica se movimentando. Isso posto, destacamos o crescimento do setor de serviços no 1T21, com alta de 0,4% contra o 4T20, enquanto o consumo das famílias recuou 0,1% no período. Vale destacar, contudo, que essa poupança compulsória não é eterna e não se consolida como motor sustentável de crescimento do PIB.

Por assim dizendo, apesar do otimismo embalado pelos números do PIB no primeiro trimestre do ano, esse resultado advém basicamente do mercado de trabalho formal qualificado, de grandes empresas engajadas nas cadeias globais (principalmente aquelas atreladas às commodities agrícolas e minerais) e da brandura às restrições da mobilidade social. Grande parte da população brasileira e grande parte das pequenas e médias empresas locais estão fora desse otimismo de crescimento econômico. Paralelamente, a qualidade desse crescimento tem dois pontos antagônicos. O positivo é fruto dos ganhos de produtividade, com queda no custo unitário do trabalho, e o negativo diz respeito ao acúmulo de estoques, que tiveram peso relevante na leitura do PIB no 1T21, que provavelmente não se repetirá.

Destacamos ainda outro ponto relevante, que diz respeito à recuperação do setor de serviço, ainda visivelmente sequelada pelas restrições à mobilidade social. Vale lembrar que esse é o setor comais peso no PIB, contribuindo com 73% do resultado geral. O setor de serviços brasileiro é patinho feio da nossa recuperação econômica porque é o que mais emprega trabalhadores na informalidade. Economistas ainda projetam retração dos serviços no 2º trimestre em razão da permanência das restrições à mobilidade social, cuja solução para o setor está condicionada ao sucesso da vacinação. Temos ainda a sombra do desemprego recorde e renda menor dificultando a rota de recuperação econômica. O desemprego encerrou o 1º trimestre do ano em patamar recorde no Brasil, assolando 14,8 milhões de trabalhadores, com um número alarmante de desalentados (que desistiram de procurar por uma nova posição de trabalho): 6 milhões. Assim, o número de brasileiros subutilizados (desempregados, desalentados e aqueles que trabalho menos horas do que gostariam) totalizou 33,2 milhões de pessoas. Em apenas 12 meses, 6,6 milhões de postos de trabalho foram ceifados do mercado brasileiro. A massa de rendimentos no brasil recuou 6,7% na comparação anual, o que equivale a retirar da circulação econômica pouco mais de R$ 15 bilhões por mês. Menos trabalho, menos renda, menos consumo, menos demanda, menos trabalho….

Mantemos o sentimento de cautela, apesar da brisa de otimismo enveredada pelo resultado do PIB no 1T21. A inflação e as crises sanitária e hídrica são ainda inimigos constantes e persistentes. A pandemia ainda não acabou, assim como a vacinação tem se arrastado e batido de frente a entraves políticos. Ademais, ainda pairam dúvidas sobre o que enfrentaremos acerca do impacto que os níveis baixos dos reservatórios resultarão sobre a atividade. E complementarmente, seremos cautelosos no que diz respeito à inflação, que deve continuar a pressionar o teto da meta. Isso sem contar com a fragilidade das contas públicas e do risco político, sempre com novas surpresinhas advindas de Brasília.

Nota

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