Guilherme Champs

Lei das S.A e Nova Regulação AAI

Mudanças significativas devem ser positivas e visam dar maior flexibilidade e fluidez ao exercício da atividade de agente autônomo

A aguardada e comentada alteração à Resolução nº 16, de 9 de fevereiro de 2021 (Resolução nº 16/21), que rege as atividades dos agentes autônomos de investimento (AAI), parece-nos acercar-se e, com ela, mudanças significativas devem ser positivas; as quais visam dar maior flexibilidade e fluidez ao exercício da atividade de agente autônomo.

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Buscaremos apresentar uma série de benefícios possivelmente trazidos na nova regulação, especialmente, no âmbito do direito societário. Pauta cara e uníssona aos agentes autônomos, é o fim da obrigatoriedade de constituição das sociedades pela via da sociedade não-empresária (sociedade simples), acrescida da exigência de que todos os sócios sejam, obrigatoriamente, agentes autônomos de investimento, devidamente credenciados perante a Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias ANCORD.

A atual normativa, portanto, além da vedação ao ingresso de sócios não inscritos perante os quadros da ANCORD, limita a forma de constituição, afastando, expressamente, a utilização das sociedades por ações, visto que, por disposição legal, independentemente das atividades que exerçam, essas sempre serão empresárias (art. 982, parágrafo único, do Código Civil).

Neste contexto, a atual Resolução nº 16/21, não permite a utilização de um dos tipos societários que melhor se adequa à estrutura de investimento, qual seja, a sociedade anônima, que se bem utilizada pode ser instrumento facilitador, especialmente para estruturação dos programas de partnership.

O intuito do artigo de hoje é abordar, de maneira ampla, as principais características da sociedade anônima em relação ao atual modelo societário mais utilizado, a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, ou como mais conhecida, a sociedade limitada, para, nas próximas semanas trazermos as características de forma individualizada.

Conforme discorrido, a sociedade anônima possui natureza empresária por força legal, e isto tem razão de ser. Desde o seu surgimento, a sociedade anônima objetiva ser veículo apto à captação de recursos para a atividade empresarial.

Neste sentido, o desenho das sociedades anônimas tem o intuito de viabilizar a mais ampla pulverização do seu capital social, resguardado, evidentemente, a defesa dos interesses dos acionistas. Isto quer dizer, o desenho da sociedade anônima objetiva congregar, ao mesmo tempo, o certo distanciamento dos acionistas do dia a dia das atividades da sociedade, porém resguardar a defesa dos seus interesses.
Isto em mente, esse modelo societário permite adequar-se as mais distintas realidades. Por isso, é possível encontrarmos desde as chamadas sociedades anônimas de pessoas, geralmente familiares e com poucos acionistas, em que a figura dos sócios e suas qualidades individuais são fundamentais ao desenvolvimento das atividades sociais, até às sociedades anônimas de capital com posição acionária pulverizada, em que os sócios estão, costumeiramente, afastados do dia a dia da sociedade, não possuindo participação direta na sua administração.

Pois bem, assim como a sociedade limitada, a sociedade anônima também possui limitação da responsabilidade à parcela do capital integralizado. Isto quer dizer que o sócio possui sua responsabilidade limitada às ações que tiver subscrito, não respondendo pelas obrigações da sociedade com o seu patrimônio pessoal.

No entanto, diferentemente do que ocorre na Limitada, não há responsabilidade solidária, entre os sócios, pela parcela do capital social subscrito e não integralizado. Ainda que aparente sutil diferença, a distinção demonstra que o modelo societário em comento almeja uma menor estreiteza entre os sócios.

No que se refere aos atos à sua constituição, a sociedade anônima constitui-se por meio de um estatuto social, o qual tem por objetivo apresentar a estrutura básica e as principais posições jurídicas ativas (direitos, poderes e faculdades) e passivas (deveres, obrigações, sujeições e ônus) para obtenção do interesse social.

Ainda que os estatutos das sociedades anônimas resguardem a mesma natureza jurídica dos contratos sociais, conforme preconiza o art. 981 do Código Civil, é verdade que o estatuto se apresenta com uma dupla natureza, assemelhando-se mais a um contrato plurilateral, como nas limitadas, quando do seu nascimento e objetivando o regramento das relações entre os acionistas e, a longo prazo, o caráter institucional, importando-se mais com as relações entre o acionista com a sociedade e os órgãos de administração.

Destarte, diferentemente do contrato social, o estatuto não é impactado, por exemplo, em decorrência das alterações do quadro societário. Tampouco se serve a regrar a convivência entre os sócios, sendo o acordo de acionistas o documento mais adequando para determinado assunto.

Outro ponto que ressalta o caráter eminentemente capitalístico das sociedades anônimas é a fixação de distribuição de dividendos obrigatórios aos acionistas. Trata-se de característica cara às sociedades anônimas, permitindo-se, inclusive, a inexistência de distribuição de dividendos ser justificativa à ação de dissolução da sociedade anônima por não atingimento do seu fim, conforme julgamento da Terceira Turma do STJ (REsp 247.002/RJ). Ainda, a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6404 de 76 – LSA), impõe às sociedades anônimas a constituição de reserva legal de lucro, visando maior segurança aos investimentos.

Ademais, ressaltando o interesse na distribuição de dividendos, permite-se, no âmbito das sociedades anônimas, a criação de ações com prioridade na distribuição de dividendos, as conhecidas ações preferenciais, as quais são, equivocadamente, conhecidas por não possuírem direito a voto.
Congregando esse ambiente propicio e seguro aos investimentos, a LSA apresenta uma facilidade de captação de recursos disponibilizando, às sociedades anônimas instrumentos hábeis de emissão de papeis, como as debentures ou a oferta de ações em bolsa, por meio da abertura de capital.

Por fim, outro importante ponto de diferenciação em comparação as sociedades limitadas, é no que se refere ao pedido de desligamento do sócio do quadro social, o chamado direito de recesso. Enquanto no âmbito das sociedades limitadas a jurisprudência compreende que o direito de recesso é amplo e pode ser exercido a qualquer momento, no âmbito das sociedades anônimas, o direito de recesso é dado por um rol taxativo. Isto quer dizer, o sócio somente pode exercer seu pedido de desligamento nas hipóteses previamente determinadas em Lei.

Em arremate, as características brevemente apontadas acima, que serão tratadas individualmente em nossa série de artigos, demonstram a grande utilidade que a permissão a utilização do modelo societário anônimo poderá agregar ao ambiente de negócios dos agentes autônomos de investimento. Especialmente, quando bem utilizadas para implementação dos planos de partnership.

Benefícios

No âmbito das sociedades anônimas, permite-se a criação de diferentes espécies de ações, que se diferente em razão dos seus direitos e poderes.

Assim, no âmbito da 6404/76, diferentemente do Código Civil, há expressa menção da existência de ações ordinárias, preferenciais e de fruição. Ainda, neste contexto, permite-se que mesmo as ações ordinárias e preferenciais sejam reunidas em classes, diferindo-se uma classe de outra em razão dos seus direitos e privilégios. Ou seja, em uma mesma companhia, pode existir diferentes classes de ações ordinárias e preferenciais.

Em princípio, caso o estatuto da companhia nada manifeste, todas as ações são ordinárias, conferindo aos acionistas os mesmos direitos e deveres. No âmbito das sociedades anônimas fechadas, no entanto, é possível a criação de diferentes classes de ações ordinárias para exigência de nacionalidade brasileira do acionista, concessão de direito a conversão de suas ações em preferenciais, direito a voto em separado para o preenchimento de determinados cargos de órgãos administrativos ou atribuição de voto plural.

Dentro do contexto das ações ordinárias, pensando-se na implementação do partnership é possível, por exemplo, a fixação de ações ordinárias com direitos específicos, voltadas aos chamados “sócios fundadores”, no intuito de resguardar certos poderes políticos, ainda que estes venham a ser fortemente diluídos sem possuir, portanto, a maioria das ações.

Destarte, permite-se uma maior diluição dos fundadores, possibilitando-se uma maior distribuição de ações no partnership, sem a perda dos poderes de governança.

De outro lado, no que se refere a criação de ações preferenciais, assim conhecidas, equivocadamente, por não possuírem direito à voto, estas são, na verdade, assim denominadas em razão das vantagens e preferencias que possuem que podem ser tanto políticos como patrimoniais.

Ocorre que, em termos gerais, as ações preferenciais foram concebidas com o objetivo precípuo de ser título voltado aos investidores, assim, sua utilização em larga escala ocorre mediante a concessão de privilégios patrimoniais, em razão da prioridade na distribuição de dividendos e/ou reembolso do capital.

Em contrapartida, permite-se a limitação ou supressão de direitos políticos, como costumeiramente ocorre, eis que se destinam, em regra, aos investidores que estão mais interessados nos retornos ao capital investido do que participarem nas decisões sociais.

Para que sejam instauradas, a lei requer que o estatuto da companhia preveja, expressamente, a sua existência, declarando quais as vantagens e preferências atribuídas. Ademais, o estatuto deve deixar evidenciado, quais as restrições a que ficam sujeitas e outras vantagens que são outorgadas as ações preferenciais sem direito a voto. Destarte, quando da sua constituição, é necessário essencial cuidado para que não sejam constituídas sem a observância dos requisitos legais, o que poderá inviabilizar a supressão do direito de voto.

Ademais, importante salientar, que após serem constituídas e outorgadas, quaisquer alterações nas preferências e restrições somente ocorrerão com a aprovação de titulares de mais de metade de cada classe preferencial prejudicada.

Pensando nos atuais desafios dos modelos de partnership, que exigem, cada vez mais, apresentar diferenciais competitivos, as ações preferencias podem ser mecanismo interessante à sua implementação. Isto porque, é possível, por exemplo, que as ações destinadas ao plano sejam todas, ou majoritariamente, de ações preferenciais, sem direito a voto, beneficiando o programa duplamente.

De um lado, os assessores se tornam mais interessados nas ações, diante da preferência na distribuição de dividendos e/ou reembolso destas; de outro, permite-se, aos fundadores, uma oferta de maior participação aos sus assessores, sem que isso comprometa seus direitos políticos.

Ainda, é concebível a estruturação planos de partnership graduais, com outorgas de diferentes ações preferenciais, de acordo com o aculturamento e impacto de determinado sócio na sociedade, até o alcance das ações ordinárias.

A aguardada e comentada alteração à Resolução nº 16, de 9 de fevereiro de 2021 (Resolução nº 16/21), que rege as atividades dos agentes autônomos de investimento (AAI), parece-nos se acercar e, com ela, mudanças significativas devem ser positivas; as quais visam dar maior flexibilidade e fluidez ao exercício da atividade de agente autônomo.

Dessarte, oportunamente, nas próximas semanas, buscaremos apresentar uma série de benefícios possivelmente trazidos na nova regulação, especialmente, no âmbito do direito societário.

Pauta cara e uníssona aos agentes autônomos, é o fim da obrigatoriedade de constituição das sociedades pela via da sociedade não-empresária (sociedade simples), acrescida da exigência de que todos os sócios sejam, obrigatoriamente, agentes autônomos de investimento, devidamente credenciados perante a Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias ANCORD.

A atual normativa, portanto, além da vedação ao ingresso de sócios não inscritos perante os quadros da ANCORD, limita a forma de constituição, afastando, expressamente, a utilização das sociedades por ações, visto que, por disposição legal, independentemente das atividades que exerçam, essas sempre serão empresárias (art. 982, parágrafo único, do Código Civil).

Neste contexto, a atual Resolução nº 16/21, não permite a utilização de um dos tipos societários que melhor se adequa à estrutura de investimento, qual seja, a sociedade anônima, que se bem utilizada pode ser instrumento facilitador, especialmente para estruturação dos programas de partnership, como a utilização de capital social autorizado.

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Utilização do capital social autorizado em benefício do partnership

Prática notória no mercado de Agente Autônomo de Investimento, a concessão de participação social em condições diferidas, denominado partnership, busca premiar os sócios atuantes, que se destacam, possibilitando-lhes o aumento de sua participação na sociedade “equity”.

No entanto, em razão da resolução vigente, o tipo societário mais utilizado pelos agentes autônomos, a sociedade limitada, apresenta fortes entraves às transações de participação, demandando, por exemplo, que todo e qualquer aumento de capital social ou transferência de quotas importe, necessariamente, em alteração do contrato social.

No que se refere ao dia a dia das sociedades de agente autônomo, cuja Resolução nº 16/21 exige que os assessores sejam sócios da AAI, a utilização da sociedade limitada, resulta oneração às sociedades, demandando-se constante modificação de seus contratos sociais, seja pelo ingresso e saída dos agentes, seja em virtude do aumento de participação para determinado assessor em razão do plano de partnership.

Por sua vez, no âmbito das sociedades anônimas, dada a necessidade de maior liquidez das participações e celeridade das transferências, as alterações ocorrem por meio da competente anotação nos livros da companhia. Não se exige, portanto, alteração do estatuto da companhia em razão das alterações das participações societárias. Os benefícios são claros, reduz-se efetivamente os custos da operação e se dá maior celeridade nos casos de alto fluxo do quadro de sócios.

De igual maneira, no que se refere ao capital social da companhia, visando dar maior autonomia e celeridade na tomada de decisão, a Lei de Sociedades Anônimas (LSA), incorporou em seu art. 168, mecanismo originário do direito societário norte-americano, denominado de regime do capital autorizado.

Em linhas gerais, a previsão contida no art. 168 da LSA, visa permitir que os acionistas deixem, previamente, autorizado o aumento de capital, dispensando-se a necessidade de assembleia geral de reforma do estatuto para este fim, até os limites pré-estabelecidos. O mecanismo tem por objetivo diminuir o prazo entre a decisão de aumentar o capital e a emissão das ações, vez que para fins de reforma estatutária, exige-se para instalação da assembleia, em primeira convocação, a presença de 2/3 (dois terços) do total de votos conferidos pelas ações com direito a voto.

No entanto, há, ainda, a possibilidade de delegar-se a competência ao conselho de administração, hipótese na qual elimina-se, até mesmo, a necessidade de realização de qualquer ato assemblear, que por si só, demanda certo tempo, em virtude das convocações dos acionistas. Destarte, a medida permite à companhia, a realização de captações de forma ágil, aproveitando as denominadas “janelas de mercado”.

Além da assertividade em relação as janelas de mercado, o mecanismo de aumento de capital pode servir muito bem às necessidades do partnership, vez que concede, à sociedade previsibilidade quanto à participação remanescente dentro do pool previamente destinado ao programa, bem como, facilita a emissão de novas participações.

Os limites dados ao capital autorizado, podem se dar em determinado valor ou número de ações. Dado o exposto, podem, por exemplo, os acionistas “fundadores”, deixarem previamente estabelecido no estatuto da companhia, que incumbirá ao conselho de administração a deliberação de aumento de capital em determinado número de ações, todas de ações de determinada classe previamente existente, especificamente criadas para comportar o programa de partnership da sociedade.

*Este artigo foi escrito em conjunto com o Gustavo Dal Cortivo, Advogado do Champs Law

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Nota

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