Brasileiro não é acostumado ao risco, diz Victor Candido, da Journey

O fluxo de investidores que tem ingressado na renda variável sem conhecimento necessário pode trazer surpresas desagradáveis a quem não tem o perfil de risco necessário para tal investimento. A avaliação é do gestor da Journey Capital, Victor Candido.

“O meu medo é que muita gente está tomando muito risco e não está confortável. Então, se algum dia você tiver uma queda de 10%,15% da Bolsa, que é natural, não sei o que aconteceria com esse cara”, afirmou o gestor da Journey Capital. “O brasileiro não está acostumado ao risco”.

Segundo o Candido, para evitar sustos com os ajustes naturais o mercado, o investidor precisa manter parte de seu capital em produtos menos voláteis.

Para ele, os produtos de renda fixa e variável não são excludentes, mas sim complementares e, por isso, devem estar em uma carteira balanceada.

“É obrigatório você ter um pedaço de renda fixa na sua carteira. Um fundo de juros de reais, como temos aqui, tem que ter pelo fato de você proteger seu poder de compra da inflação. Um fundo de crédito multissetorial também. No nosso caso, são fundos com entrada baixa e não ocupam muito espaço mesmo em carteiras mais modestas”, disse.

Confira a entrevista exclusiva de Victor Candido, da Journey Capital ao SUNO Notícias:

Como a Journey começou e quais são os produtos oferecidos aos investidores?
A Journey existe há alguns anos, fundada pelo Rogê Rosolini. O negócio mudou um pouco de cara e, a partir de 2017, em um encontro feliz, os principais sócios atuais se encontram, todos saindo de grandes bancos, e decidiram montar a gestora.

Ela é uma tentativa de pensar quais produtos que a casa teria, com o Brasil saindo da crise e vendo, mais ou menos, quais seriam os caminhos que traçaria. Começamos a família de fundos, que são fundos de crédito, desenhados em 2017 e com start em 2018.

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Hoje, todos os fundos disponíveis em plataformas, são de crédito e renda fixa. Temos três fundos de debêntures incentivadas e dois outros fundos de crédito. Além disso, temos um fundo mais voltado para familly office, sem limite de concentração, e um fundo que usamos para qualquer oportunidade que achamos que vale a pena. Estamos estudando um fundo voltado ao pequeno investidor também.

Como você vê esse novo mercado que está surgindo, em relação a investimentos?
Eu fico um pouco com o pé atrás com a quantidade de pessoas que estão saindo do mundo da renda fixa tradicional. Um mundo da aplicação financeira, de produto de banco. Esse cara está vindo para mercado mais arriscados. Muito, em parte, mais pela necessidade do que pela aceitação ao risco.

Ele está aceitando risco pois ele precisa ganhar dinheiro. Se você parar para pensar, no Brasil, até pouco tempo atrás tinha mais gente em presídio do que investindo na Bolsa. Hoje temos mais de um milhão de CPFs. No ano passado, eram 600 mil. Em um ano, dobra a quantidade de pessoas físicas.

Ainda é um universo muito pequeno. É como se fosse apenas um bairro grande de São Paulo. Tem um efeito meio que da grama do vizinho. O cara tem um amigo que está ganhando dinheiro, que comprou uma ação e subiu 40%, e ele também quer, principalmente, vendo por Twitter, Linkedin e Facebook.

Esse tipo de aumento de interesse gera algum efeito negativo, na sua visão?
Você tem uma disseminação de informação que não tinha antes. O meu medo é que muita gente está tomando muito risco e não está confortável. Então, se algum dia você tiver uma queda de 10%,15% da Bolsa, que é natural, não sei o que aconteceria com esse cara.

Na grade de produtos das plataformas, falta um produto no meio do caminho. Por isso tivemos a ideia de lançar um produto que atenda esse mercado. Com a Selic a 4,5%, podendo ir a 4%, você não pode cobrar 2% de taxa de administração. Você tem que pagar esses 50% de taxa. O gestor tem um incentivo ultra perverso de estar sempre alocado, sempre fazendo trade, sempre tomando risco, para poder pagar esse pedágio de 50%.

Qual é a ideia do produto de vocês para atender esse mercado? Nosso fundo será de 0,95% de taxa de administração com taxa de performance. Entre 30 e 50% dele estará alocado em crédito privado AAA, que ai eu rentabilizo a taxa de administração. A vantagem é que você fica muito mais alinhado em remunerar aquilo que você está cobrando do cliente e fica muito mais a vontade para operar macro. Ele vai operar juros, Bolsa e câmbio. Nos últimos dias, por exemplo, o câmbio está sem view [perspectiva]. O gestor normal tem a obrigação de gerar trade o tempo todo. Não é o que iremos fazer. Nossa ideia é ter um fundo que paga o custo, sem onerar o cliente, e se eu quiser ficar um mês sem operar, eu fico um mês sem operar.

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A ideia é criar um produto com risco, mas com baixa volatilidade e tem apenas um fundo que faz isso atualmente. Também iremos usar muito em expertise da casa e conseguiremos fazer variações sobre o mesmo tema. A ideia é um produto de varejo mesmo para um investidor que está começando a colocar um pé no risco.

Estamos terminando os últimos cálculos, mas ele estará disponível nas grandes plataformas em março.

Como você está vendo o mercado de crédito? A saída do BNDES está transformando a demanda por crédito privado?
O mercado de crédito no Brasil esteve incipiente entre 2005 e 2010. Mas, como o juro era alto, os produtos não tinham sofisticação. Os bancos encarteiraram emissões de debêntures inteiras. A partir de 2010, quando o BNDES jogou muito dinheiro na economia, não fazia sentido nenhum emitir uma debênture, que não é algo fácil de ser feito.

Com a saída do BNDES, com a queda do juro, acho que entramos mais em uma pegada mais orientada ao mercado. O mercado começou a ocupar o espaço do Estado. A debênture é um produto que casa tudo que o brasileiro gosta: isenção de Imposto de Renda e renda fixa. Então, foi algo que casou bem.

O que está por trás dessa demanda por debêntures?
Há um espaço para investimentos em infraestrutura gigante no Brasil. São Paulo, a maior cidade do país, tem uma infraestrutura atrasada em comparação com cidades do mesmo porte. Antes, as pessoas estavam ancoradas em juros muito altos, agora as pessoas tem uma readequação como investidoras.

Elas vão também entender que renda fixa não acabou, que também é necessária na carteira e a debênture pode fazer esse papel. É interessante, pois você diminui também a intermediação financeira. Antes, os bancos dominavam isso. Agora é menos. Então, a poupança trazia uma fricção grande para a debênture virar investimento. Hoje, por meio das plataformas, o dinheiro rapidamente vai para um fundo. Então, esse tempo diminuiu muito e é bem importante.

Como vocês vêem o cenário macroeconômico?
Achamos muito difícil o Brasil não crescer acima de 2% em 2020. E, em 2019, o país deve ter crescido cerca de 1,05%. Tem uma chance razoável da Selic continuar caindo, pode vir a 4,25% caso não tenha algum choque inflacionário. Mas, no geral, vemos o ano bastante tranquilo. O juro vai permanecer baixo.

Uma coisa é o Banco Central cortando juros no período de incerteza, com eleição, governo novo e bastante ruído. Então, tinha alguma barreira na transmissão de política monetária para a economia. Esse ano teremos uma incerteza menor, então vamos ver como a economia irá reagir a isso.

O mercado acompanhará essa tendência de crescimento?
A Bolsa deverá continua super bem em termos de classe de ativo. Você tem gente que diz que o ajuste da Bolsa foi muito mais resultado de uma queda de juros do que de uma aceleração de ganhos. Então, com uma economia crescendo, as empresas mais “redondas”, cortando custos ao longo da crise, acho que Bolsa será uma boa classe de ativo.

O câmbio pode vir mais próximo de R$ 3,90, com a economia global ditando ritmo. Se a Europa tiver uma melhora melhor que a esperada e EUA continuar crescendo, pode ajudar o real e o efeito inflacionário.

Teremos, neste ano, uma oportunidade maior para juros em um play muito mais técnico do que direcionais. Em moeda há uma possibilidade de ajuste do real, mas há uma oportunidade para rentabilizar esse ano, com uma economia bem mais equalizada.

Ficamos muitos anos presos, com a economia sem crescer. Vamos ver se conseguimos soltar essas amarras.

Em um cenário como esse, por que o investidor deveria olhar um fundo de crédito?
Somos um país de educação financeira mega escassa, o brasileiro quer ganhar dinheiro da maneira mais fácil e rápida possível. Só você ver a quantidade de pessoas que perde dinheiro em pirâmides.

Antigamente, só quem tinha muito dinheiro tinha acesso a boas assessorias e a bons times montando carteira de investimentos. Todo mundo deveria ter um fundo de crédito, a um multimercado, etc. Parece que as coisas são excludentes para o investidor. Mas todo mundo tem que ter tudo. É meio que montar um prato. Você não vai ter salada, feijão, arroz e carne.

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Como assim, montar um prato?
É obrigatório você ter um pedaço de renda fixa na sua carteira. Um fundo de juros de reais, como temos aqui, tem que ter pelo fato de você proteger seu poder de compra da inflação. Um fundo de crédito multissetorial também. No nosso caso, são fundos com entrada baixa e não ocupam muito espaço mesmo em carteiras mais modestas. Os produtos não são excludentes e, sim, complementares.

Há a necessidade de um aprendizado. As pessoas não estão acostumadas a ter esse risco. Elas estão só no ganho. Somos um país pobre e o investido brasileiro, em geral, é pobre. Juntar R$$ 50, R$ 60 mil não é trivial para a maioria das pessoas, pois é cerca de 4,5 anos de salário mínimo acumulado. Você pode dobrar seu dinheiro, mas você pode perder metade também e as pessoas não estão acostumadas a esse risco.

As plataformas são muito legais em ampliar o acesso a produtos finos. Mas, uma série de pessoas vieram ao mercado sem grandes conhecimentos. Então, isso se reflete no mercado financeiro, com esse efeito de um monte de gente que chegou agora e não pensa em qual porcentagem do capital ela está disposta a perder.

O quê você diria que seria uma recomendação a essas pessoas?
Antes de decidir no que investir, o pequeno investidor precisa se conhecer como investidor e aprender sobre os produtos. O asset alocation é muito importante e os produtos não são excludentes. Isso é uma das belezas do negócio. Não coloque todos os ovos na mesma cesta.

As pessoas precisam entender que isso é para longo prazo e composição de portfólio é para isso. Mirar nos cinco, dez, 15 anos e não amanhã, como falamos na Journey.

Vinicius Pereira

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