Regra da CVM para relatórios pode mexer com valuation das empresas, alertam especialistas

Especialistas apontam que Resolução 193 da CVM vai expor fragilidades de companhias não preparadas para riscos climáticos e pode pressionar múltiplos de avaliação a partir de 2027

A partir de 2027, analistas e investidores terão acesso a relatórios com informações que nunca estiveram disponíveis: quanto uma seca, enchente, emissões de carbono ou nova regulamentação climática pode custar efetivamente para cada empresa da bolsa. Com números auditados e comparáveis, a Resolução 193 da CVM promete reorganizar como o mercado avalia companhias expostas a riscos climáticos.

Até hoje, parte das empresas brasileiras da bolsa reportam questões de sustentabilidade, mas de forma voluntária e com autonomia para definir como fazer isso. A partir de 2027, isso muda radicalmente: elas terão que detalhar, em reais, quanto os riscos climáticos podem impactar seus resultados, seguindo regras padronizadas e com auditoria obrigatória.

As empresas da B3 terão que seguir os padrões internacionais do International Sustainability Standards Board (ISSB) através das normas IFRS S1 (geral) e IFRS S2 (clima). Neste primeiro momento, o foco será na transparência climática, mas nos próximos anos devem ser implementadas regras para transparência sobre biodiversidade e capital humano.

“Os números vão chamar atenção porque só devem ser reportados os valores realmente relevantes para a empresa”, explica Clayton Codo, especialista em ESG e sócio de auditoria da Grant Thornton, em entrevista ao Suno Notícias. “Se chegar a ser reportado, é porque é significativo – seja desembolso de caixa ou queda na receita. Isso vai começar a chamar atenção quando os relatórios mostrarem as fragilidades.”

Ele destaca que a adoção de um único padrão de divulgação vai facilitar a comparação entre companhias do mesmo setor, permitindo que investidores façam análises mais consistentes. “Analistas vão ver estes dados e começar a fazer questionamentos, e isso deve afetar valuation da companhia”, projeta Codo. “Por que uma vai ser mais impactada que outra, e você vai repensar qual empresa está melhor posicionada e em qual setor você vai investir.”

Agronegócio, elétrico e bancos na linha de frente

Os setores que mais devem sentir o impacto da nova transparência são agronegócio, elétrico, bancário e indústrias intensivas em carbono, segundo Daniele Barreto e Silva, especialista em ESG da Grant Thornton.

Agronegócio: Empresas terão que quantificar perdas potenciais com secas, enchentes e mudanças no regime de chuvas. Além disso, segundo Codo, o setor ligado ao gado enfrenta desafios adicionais por suas altas emissões de gás metano, o que exigirá calcular custos de adequação às futuras regulamentações de carbono.

Setor elétrico: A exposição é dupla. Hidrelétricas perdem receita com escassez de água, enquanto distribuidoras enfrentam prejuízos com tempestades. As empresas terão que reportar custos com reparos em redes elétricas e atendimento emergencial após eventos climáticos extremos.

Setor bancário: Os bancos terão que reportar emissões de carbono financiadas e quantificar riscos de financiamento indireto ao desmatamento, o que pode afetar particularmente instituições com grande exposição ao agronegócio e setores intensivos em carbono.

Padronização e maior rigor nos relatórios de sustentabilidade

Uma das principais mudanças será cultural. Muitas empresas hoje usam relatórios de sustentabilidade para comunicação corporativa, com diferentes níveis de rigor técnico e auditoria. Segundo Codo, algumas empresas ainda resistem à mudança porque estavam acostumadas com a flexibilidade dos relatórios voluntários, algumas sem asseguração independente.

Com a nova regra, empresas que usavam relatórios como peça de marketing terão que divulgar dados que prefeririam não publicar e ainda assegurá-los. O resultado será uma “equalização” do mercado: “se [uma empresa] tem excelente relatório e outra empresa não faz, a que faz tende a valer mais que a outra. Agora a gente zera este jogo porque as duas vão ter que reportar com os mesmos critérios.”

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Corrida para se preparar para CVM 193 já começou

Embora os primeiros relatórios só sejam divulgados em 2027, o trabalho de preparação precisa começar já em 2026, e muitas empresas estão atrasadas. Daniele relata que as conversas com empresas se intensificaram muito nos últimos dois meses, com todo mundo deixando um pouco para a última hora.

O desafio não é simples. As empresas precisam estruturar três grandes blocos: implementar a norma de report, todos os controles internos relacionados às informações e o processo de asseguração, área em que muitas não tinham conhecimento, explicam os executivos.

A exigência de asseguração em nível razoável (o mesmo padrão de rigor usado nas demonstrações financeiras tradicionais) adiciona complexidade. Segundo Daniele, muitas vezes falta sistema de informação robusto dentro das companhias, e a CVM pediu um nível mais alto de asseguração que exige controles internos, com auditores precisando verificar esses controles.

Reorganização do mercado de capitais

Até agora, apenas Vale (VALE3) e Renner (LREN3) fizeram divulgações antecipadas seguindo os padrões IRFS S1 e S2.

A mudança promete trazer mais racionalidade ao mercado ESG brasileiro. Com números auditados e comparáveis, investidores terão ferramentas mais precisas para avaliar seus investimentos.

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Natalia Gomez

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