Permitir Huawei no leilão de 5G é principal cartada para reaproximar Brasil da China

Maior parceiro comercial do Brasil, a China se encontra hoje no centro do noticiário nacional, ao deter os insumos necessários para a tão aguardada produção brasileira tanto da vacina CoronaVac como da vacina Oxford AstraZeneca. Foi um longo caminho que trouxe o Brasil até a – desconfortável – situação atual, depois de uma série de declarações polêmicas por parte de membros do governo federal.

 

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Agora, especialistas avaliam que a China está atrasando o envio do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) como forma de dar um “chá de canseira” para o Brasil refletir sobre as suas ações.

Neste cenário, a participação da chinesa Huawei no leilão de 5G voltou para a pauta, por ser a principal cartada que pode reaproximar os dois países. Até agora, o governo brasileiro foi contra a participação dos chineses no leilão, alegando risco de violação de dados pela empresa (existência de “backdoors”, ou seja, acesso não autorizado ao sistema).

O discurso segue a posição do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. No entanto, não existe nenhuma comprovação de que a empresa tenha violado dados em nenhum dos países em que atua.

Agora, com Joe Biden na presidência dos Estados Unidos, especialistas em relações internacionais avaliam que seria uma boa oportunidade para o Brasil rever a sua posição sobre a Huawei. A empresa quer a chance de atuar como fornecedora de infraestrutura para as empresas de telecomunicações brasileiras, assim como a finlandesa Nokia e a sueca Ericsson.

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China está dando oportunidade para o Brasil refletir

De acordo com o CEO do grupo de líderes empresariais Lide China, advogado José Ricardo dos Santos Luz Júnior, os chineses enviarão o insumo para a produção das vacinas CoronaVac e para a Oxford da AstraZeneca, mas o tema da Huawei fará parte das conversas entre negociadores brasileiros e chineses mais fortemente a partir de agora.

CEO do Lide China
CEO do Lide China

“O envio do IFA (insumo) vai ser feito, não tenha dúvida disso. Mas acredito que independentemente da burocracia para liberação dos insumos pelas autoridades chinesas e aumento da demanda para suprir o mercado doméstico, a China está dando um chá de canseira no Brasil, para refletirmos sobre a nossa parceria”, explica.

Segundo o representante do Lide, “entre muros”, a questão do 5G será indiretamente negociada pelo governo chinês para beneficiar a inclusão da Huawei.

Ao mesmo tempo, as empresas que fazem instalação de banda larga, telefone e TV, já se manifestaram contra o banimento da Huawei do leilão.

Em dezembro de 2020, a Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra) disse que a restrição da Huawei, que tem até 50% de participação no mercado, geraria um custo enorme para a substituição das redes, com repasses para os consumidores e atraso na difusão do 5G.

Além disso, o representante do Lide China destaca que nada foi provado sobre o risco à segurança nacional. “Como o Brasil é uma economia de mercado não há motivo para banir a empresa, até porque não se provou haver vazamento de dados e a Anatel certamente elaborará uma série de protocolos e mecanismos para proteger a segurança da rede aos usuários no Brasil”, afirma.

Muito além da vacina

Independentemente da questão da vacina, a recuperação da relação entre Brasil e China é vista pelos especialistas como algo crucial para a economia brasileira. A China e o Brasil iniciaram suas relações bilaterais em 1974. O Brasil foi considerado um parceiro estratégico da China em 1993 e parceiro estratégico global em 2012.

Hoje, a China é a principal compradora dos produtos mais exportados pelo Brasil – minério de ferro, petróleo, soja e celulose.

O comércio entre os países atingiu a marca recorde de US$ 101,728 bilhões em 2020, mesmo com a pandemia mundial, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia. Para efeito de comparação, no mesmo ano, o comércio entre Brasil e Estados Unidos somou US$ 45,6 bilhões.

Ao mesmo tempo, a China ainda tem mais US$ 80 bilhões em estoque de investimento estrangeiro direto no Brasil (IED).

Segundo o professor de economia dos MBAs da FGV, Mauro Rochlin, a dependência comercial da China é muito alta, equivalente a um terço do total dos embarques. Além disso, a China é um grande investidor de empresas brasileiras, com participação relevante no setor de energia elétrica.

“A China é nosso maior parceiro comercial disparado, e é o que tem feito mais investimentos no Brasil. Olhando para os interesses do Brasil no longo prazo, a importância da China é fundamental”, afirma.

Permitir a Huawei abriria portas na China

Segundo ele, a opção da Huawei como candidata ao 5G é algo que o Brasil tem que “respeitar muito”, considerando o cenário. Além disso, ele acredita que o Brasil tem uma boa oportunidade para abrir as portas para a Huawei devido à mudança de governo nos Estados Unidos.

Isso porque, com a saída de Trump, Bolsonaro teria mais liberdade para se alinhar com a China. “Resta saber se o governo vai aproveitar esta oportunidade.”

De acordo com o professor Maurício Santoro, do Departamento de Relações Internacionais da UERJ, a participação da Huawei no 5G é vista como algo crucial pelo governo chinês. “Se o Brasil quiser construir uma relação de boa vontade, o melhor gesto seria a entrada da Huawei na disputa; isso abriria portas”, afirma.

Ele destaca que a empresa atua no Brasil há mais de 20 anos, em outros mercados.

Além disso, outras companhias chinesas são sócias de empresas locais já muitos anos, inclusive em ativos estratégicos, como a CPFL (CPFE3) e a Usina de Belo Monte.

Riscos em relação com a China ameaçam agronegócio

A grande preocupação dos especialistas diz respeito a esta grande dependência da China. Caso a situação diplomática entre os países se agrave, existe um risco de retaliações, assim como ocorreu com a Austrália.

Recentemente, a China impôs restrições ao vinho australiano. A decisão veio depois que a Austrália, como os Estados Unidos, pediu em abril uma investigação internacional sobre as origens da pandemia de coronavírus.

Apesar de o Brasil ter feito diversas declarações negativas sobre a China, ainda não houve uma retaliação deste tipo. No entanto, isso ainda pode ocorrer se a relação com o governo brasileiro se deteriorar.

De acordo com o professor da FGV, um dos riscos é crise entre Brasil e China respingar no setor de soja. Hoje, a China está buscando novos fornecedores para suprir sua demanda interna de soja, o que vai afetar diretamente os produtores brasileiros.

“Eles são nossos maiores compradores, e isso é uma informação preocupante.” Em sua visão, o ideal seria o Brasil não “cutucar a onça com a vara curta”.

“A gente já abusou, agora é hora de parar. A China não hesitou em ser dura com um parceiro comercial no caso da Austrália.”

Outro setor em perigo é o de carnes, que também exporta grandes volumes para a China. Segundo o professor da UERJ, é comum ver países adotando proteções sanitárias como o objetivo de fazer uma pressão comercial “pouco transparente”. “Não é o caso ainda, mas são riscos que o Brasil pode enfrentar”, diz.

Ataques à China são recorrentes

Relembre alguns dos ataques do Brasil à China:

  • Em 2018, quando era candidato à presidência, Bolsonaro foi à Taiwan e não visitou a China, o que causou desconforto no governo chinês.
  • No mesmo ano, o então candidato ganhou manchetes ao redor do mundo ao dizer “A China não compra no Brasil. A China está comprando o Brasil.”
  • O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, postou em 2020 que o governo brasileiro declarou apoio a uma “aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”.
  • Eduardo Bolsonaro já havia atacado a China antes, ao dizer que a China é culpada pela crise mundial gerada pelo novo coronavírus. A representação diplomática da China no Brasil respondeu ao ataque, e o ministro das Relações ExterioresErnesto Araújo, declarou que esperava uma retratação da China.
  • O ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou um tweet sobre a China fazendo referência ao personagem Cebolinha, da Turma da Mônica.
  • Também no ano passado, Araújo publicou um texto em seu blog afirmando que o mundo enfrenta o “comunavírus”.

De acordo com o professor da UERJ, todas estas declarações causam “consternação” por parte dos chineses, que têm dificuldade de saber se esta é uma posição oficial do governo brasileiro. “Eles ficam em dúvida se essas pessoas estão dizendo o que o presidente gostaria de dizer, mas não pode dizer devido ao cargo que ocupa”, afirma.

O representante do Lide China vai na mesma linha: “nós temos que nutrir a relação com os chineses, nosso maior e principal parceiro comercial – e não atacar.”

 

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Parceria com nova rota da seda seria bem vista pelos chineses

Caso o governo brasileiro decidisse se reaproximar da China, outra medida bem vista seria a adesão ao projeto da nova rota da seda, de acordo com o porta-voz da UERJ.

Lançado pela China em 2013, a ideia conta com a participação de vários países da América Latina, Europa e África. O projeto contempla investimentos conjuntos em infraestrutura, saúde e tecnologia, com mais de 138 países signatários até março de 2020.

“Com as vacinas, ficou claro que o Brasil é um parceiro importante da China, mas não uma prioridade. Por isso, o debate sobre a nova rota da seda pode voltar a ser colocado agora”, avalia. Segundo ele, se o Brasil tivesse abraçado este projeto há dois ou três anos, a realidade poderia ser bem diferente.

Mesmo assim, a adesão do Brasil à rota da seda seria muito bem vista pela China. Isso porque seria uma sinalização de incentivo para toda a América Latina.

Mourão seria melhor articulador da crise

Segundo fontes ouvidas pelo SUNO Notícias, a pessoa mais adequada para lidar com a atual crise entre Brasil e China seria o vice-presidente Hamilton Mourão. Ele encabeça a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban).

Em meio à tensão sobre a vacina, o ex-presidente Michel Temer (MDB) entrou em cena para ajudar na negociação diplomática para liberar os insumos da China.

Apesar das expectativas, as fontes ouvidas pela SUNO Notícias destacam que é muito difícil prever as ações do governo brasileiro. “O governo é imprevisível, não segue as boas regras de diplomacia, as boas relações comerciais. Então, analisar um governo que tem uma postura errática, ou pelo menos radical, é muito difícil”, afirma o professor da FGV.

Enquanto isso, a vacina para os brasileiros segue em compasso de espera, e os setores da economia que dependem da boa relação com a China continuam cercados de incertezas.

 

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Natalia Gómez

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