Nos últimos dias, o dólar passou a dar sinais de arrefecimento frente ao real. O processo era esperado desde o início do ciclo de alta da taxa de juros básica da economia (Selic), em março, mas naquele momento as tensões políticas e fiscais pesaram sobre o cenário brasileiro. Contudo, o enfraquecimento do dólar nos próximos meses certamente virá.
A opinião é de Jefferson Laatus, estrategista-chefe da consultoria de educação e treinamento Laatus. Segundo ele, o processo de depreciação do dólar, sobretudo frente a outras moedas emergentes, será um processo natural dada a massiva injeção de capital nas economias para o combate à pandemia.
Cerca de 20% de toda moeda norte-americana em circulação no mundo foi impressa apenas no ano passado. Um fator a que os agentes econômicos devem prestar atenção, diz Laatus, é que todo esse estímulo monetário foi proporcionado em um momento de taxa de juros zeradas. “Uma hora a conta vai chegar.”
Para ele, o dólar ainda tem espaço para cair e deve encerrar o ano entre R$ 5,15 e R$ 5,20, mesmo o real estando perto de zerar as perdas frente à moeda norte-americana no ano.
Confira os principais trechos da entrevista do SUNO Notícias com o especialista.
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No primeiro aumento da Selic, o dólar, que esperava-se que cairia, pouco se mexeu. O mercado não deu bola para o que o Copom estava dizendo?
Não é que o mercado não deu tanta bola para a visão do Banco Central (BC). Naquele momento, o cenário externo possuía algumas preocupações, assim como o âmbito interno. A taxa de juros ficou em segundo plano naquele momento.
Próximo da última elevação da Selic, de 2,75% para 3,5%, já tínhamos a resolução do Orçamento de 2021 — ainda que de forma questionável –, e tínhamos uma expectativa boa de reformas, tanto administrativa como tributária, mesmo que fatiadas.
Somado a isso, o ambiente externo não estava bom, o que foi benéfico para o Brasil. A economia norte-americana demandou mais estímulos e manutenção da taxa de juros zerada. Isso acaba favorecendo o carry trade [estratégia de negociação que envolve empréstimos a uma taxa de juros baixa e o investimento em um ativo que fornece uma taxa de retorno mais alta] para países emergentes como o Brasil.
O investidor pega dinheiro barato em dólar, internaliza aqui e recebe juros mais altos.
Pesquisas dizem que cerca de 20% do dólar em circulação no mundo foi impresso em 2020. O dólar mais fraco é uma tendência que veio para ficar?
Durante os próximos anos é muito difícil de dizer, mas com certeza a moeda entrará em um processo de enfraquecimento. A injeção gigantesca de capital ainda continua, ao passo que as economias mundo afora se recuperam de forma conjunta.
A recuperação econômica dos Estados Unidos, naturalmente, enfraquece a moeda, pois a China acompanhará e o dólar ficará relativamente mais barato. A gente tem, sim, um movimento natural de queda do dólar, ao menos durante esse ano. Para os próximos anos, é complicado de afirmar, até porque não sabemos qual será o futuro das políticas do novo governo norte-americano.
Vale lembrar que os governos ampliaram de forma intensa sua dívida com base em uma taxa de juros zerada praticamente em todo o mundo desenvolvido nos últimos anos. Uma hora o boleto vai chegar e há dúvidas sobre o que vai acontecer.
O gasto mundial com a pandemia está na casa de US$ 20 trilhões (cerca de R$ 105,38 trilhões na cotação atual). Em contraponto ao dólar, isso faz com que ativos como o ouro se valorizem pois são itens que asseguram o valor do dinheiro. É uma commodity provada no tempo com oferta escassa. Esse processo de injeção de capital deve continuar ocorrendo enquanto o mercado de trabalho não for retomado, sobretudo nos Estados Unidos.
Além disso, quando falamos em dólar fraco, não significa diretamente que o real vai se fortalecer frente à moeda. A divisa deve perder tração frente a outras moedas fortes, como euro e libra.
Para o real acompanhar o mesmo caminho, depende somente de nós. Nada adiantará se não arrumarmos nossa política fiscal ou não nos tornarmos atraentes para investidores estrangeiros. O dólar versus o mundo é uma coisa, o dólar contra o Brasil é outra.
Qual é a previsão da Laatus para o dólar no fim do ano? O Focus fala em R$ 5,35.
Eu estimo que o dólar possa encerrar o ano entre R$ 5,15 e R$ 5,20. A gente acredita que o segundo semestre será positivo na economia brasileira, assim como o mundo desenvolvido está apresentando agora.
Certamente a recuperação chinesa e europeia continuará, e o Brasil será arrastado por esse movimento, pois fornecemos muitos produtos para esses países, sobretudo insumos agrícolas e proteínas. Com maiores exportações, devemos ter uma melhor relação dólar e real.
Nós também estimamos que o Congresso terá uma política um pouco mais tranquila em direção ao equilíbrio fiscal.
Falando em exportações, o chamado superciclo de commodities pode ajudar essa queda do dólar?
Com certeza. Vale lembrar que os booms de commodities sempre vêm no pós-crise, então o Brasil vai acabar sendo bastante beneficiado por esse processo, de fortes investimentos em infraestrutura e demanda global.
O petróleo tende a continuar subindo, assim como o minério de ferro, embora seja esperado que haja uma correção. Para empresas brasileiras ligadas a esses setores, os próximos meses serão positivos. No entanto, acreditamos que o movimento altista no segundo semestre será quase que geral no ambiente interno, com varejo e consumo muito fortes por conta da demanda reprimida.
O aumento das taxas de juros nos Estados Unidos pode interromper a tendência de baixa do dólar? O mercado tem travado um cabo de guerra com o Fed neste sentido.
O Brasil não é o país mais seguro de todos, mas está em melhores condições do que outros emergentes, especialmente da América Latina. Então quando há o aumento das taxas de juros por aqui, naturalmente ficando acima dos países desenvolvidos, temos que levar em consideração que a atração de recursos estrangeiros pode ser grande.
Atualmente a Selic está em 3,5%, o BC deixou o caminho aberto para mais uma elevação de 0,75 ponto percentual em junho, e até o fim do ano o objetivo deve ser o equilíbrio entre a taxa de juros e a inflação. A expectativa de inflação do mercado fica em torno de 5%, para começar a cair no ano que vem.
Com base nisso, podemos entender que a Selic termine o ano em mais ou menos 5%. Chutando alto, o Brasil termina o ano com a taxa em 6%. Para o País, a taxa ainda está em menor patamar do que a média histórica, mas para o estrangeiro começa a fazer sentido.
Se o investidor norte-americano capta recursos em com a taxa quase zerada nos Estados Unidos, e internaliza aqui em, talvez, 5,5%, é super vantajoso para ele.
Com isso, mesmo que o Federal Reserve (Fed) passe a aumentar os juros, pouco afetará esse processo. Até porque, quando o BC dos Estados Unidos der indícios de que elevará a taxa de juros, fará aos poucos, subindo lentamente. Historicamente, o Fed é muito paciente. Ele sempre prepara o mercado para as mudanças na política monetária.
Na sua opinião, o Banco Central fez o que deveria ter sido feito, ou acabou perdendo a mão na condução da Selic?
Acho que fez o que deveria ter sido feito. Ele se mostrou ativo para fazer os ajustes necessários para o combate da pandemia.
O efeito de ajustes agressivos na taxa demora para aparecer na economia, de três a seis meses. Além disso, a pandemia não acabou. Ela continua influenciando a atividade e os efeitos ainda serão práticos na economia, com a recuperação que deve ser observada. Dessa forma, acredito que o BC foi na linha certa.
Nós gostaríamos que a retomada da alta da taxa de juros até começasse antes, mas a autoridade monetária esperou a inflação aparecer. Então vemos como correta a posição do BC do Brasil. O Fed também foi agressivo frente à pandemia, então naturalmente passaríamos a elevar a taxa antes deles para não termos esse descasamento.
A expectativa para a queda do dólar agora ocorre mesmo com os ruídos políticos. A história é sempre a mesma há 40 anos — poucos foram os momentos em que o Brasil não esteve em crise política. O mercado tem dado mais atenção ao cenário externo, e como lá fora as projeções são boas, os problemas internos de Brasília tendem a ficar cada vez mais em segundo plano. Isso acaba sendo positivo para a continuidade da recuperação do Brasil e, consequentemente, do real, que praticamente zerou as perdas do dólar no ano.