Bruno Perottoni

Câmbio: enxergar além e entender o porquê das taxas

O fato de que, no Brasil, quem move o mercado é o derivativo (no caso, o mercado futuro) é uma particularidade tão nossa quanto o samba e a feijoada. Entenda mais aqui

Chegamos ao terceiro artigo da tríade que procura desmistificar alguns temas do mercado de câmbio. Entre as perguntas e comentários mais recorrentes que ouço sobre o tema é: tem mais bibliografia sobre isso? Infelizmente, a resposta é não. Algumas coisas no Brasil recebem a maliciosa alcunha de jabuticaba, por ser algo que só ocorre em terras tupiniquins. Não que o mercado de casado seja uma delas, mas o fato de que, no Brasil, quem move o mercado é o derivativo (no caso, o mercado futuro) é uma particularidade tão nossa quanto o samba e a feijoada.

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Enfim, as coisas são como são e, se não podemos mudá-las, ao menos podemos entendê-las. Nos outros dois artigos desta série, passamos pelos conceitos do que é dólar casado, spot, futuro e como se chega ao preço de um e de outro. Partimos do preço de uma moeda spot, aplicamos os prazos e taxas de juros locais e “offshore” e chegamos ao preço “justo” do futuro. E até aqui, espero que esteja tudo compreendido. Embora eu, infelizmente, tenha que dizer que daqui em diante, teoria e prática se dissociam um pouco.

Partindo do exemplo do texto anterior, recordamos que partimos de uma taxa de juros em dólares de 5% ao ano (linear, 360 dias corridos). Com isso, questiono: será que um investidor estrangeiro traria seus dólares americanos para cá, considerando uma taxa igual ao custo de oportunidade de se aplicar em um título do tesouro ou cobraria algo mais? Acertou quem pensou em cobrar algo a mais. Em um dos meus primeiros textos mencionei esse racional, alocar seus recursos no X, automaticamente, te faz não investir em Y, o famoso custo de oportunidade. O que se cobra a mais, nesse caso, reflete o risco e a remuneração, por isso no mercado local temos taxas maiores que as de fora.

Consideremos um exemplo prático com valores do momento em que escrevo esse artigo: as indicações de preço de casado estão na casa de R$ 4,00 (seguindo a lógica de negociação do dólar futuro na B3, considerando-se preço de BRL para cada US$ 1.000). Um contrato futuro que vencerá no final desse mês está negociado a R$ 4,887,00 e o casado teórico a R$ 4,00. Isso nos daria um preço spot de R$ 4.887,0 – 4,0 = 4.883,00 ou 4,8830, como se negocia nesse mercado. Fazendo o cálculo reverso ao que falamos no artigo anterior, e considerando corretamente dias úteis e dias corridos até o vencimento, teremos o cupom do casado em 6,84% aa, ou seja, bem acima dos 5,30% aa de um título de 3 meses dos EUA.

É esse cupom que interessa para as tesourarias de bancos, pois ele mede, na prática, a qual custo está se conseguindo comprar dólares no exterior e vendê-los no Brasil. Esses 6,84% aa não são o custo de um banco, mas existem aqueles que estão dispostos a pagar essa taxa e outros dispostos a vender por essa mesma taxa. Se tivermos um fator de estresse no mercado ou uma liquidez escassa, ou ainda um fluxo anormal de compra, pode ser que tenhamos um casado menor que os R$ 4 e, consequentemente, um cupom do casado mais elevado (acima de 7% aa). A recíproca é verdadeira quando falamos que se um grande player internacional estiver disposto a vender dólares no mercado local, poderia levar o casado para R$ 4,40 e um cupom menor, mais próximo de 6% aa. Novamente, relembro que não estou cravando com precisão os valores e cálculos, são ilustrativos. Importante é compreender a dinâmica.

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Mas, se isso é um mercado “de bancos”, qual a importância de compreendê-lo ? Os grandes volumes do mercado, muitas vezes, movem-se de acordo com esse cupom. Já tivemos inúmeras vezes no Brasil, especialmente no período de pandemia, a distorção de um dólar spot mais caro que o futuro, o que indica uma grande demanda na compra da moeda (fluxo de saída), consequentemente um casado negativo (spot > futuro) e um cupom extremamente elevado. Nessas situações, vemos grandes bancos, com grandes balanços e oportunidades de captar recursos no exterior, “aplicarem” aqui dentro, se beneficiando de um cupom extremamente alto (em termos atuais, arriscaria falar de uma captação a 5,50% aa com uma “aplicação” de um cupom de 9% aa). Eis um dos princípios do tão famoso carry trade de moedas, eis uma situação clara de arbitragem de taxas de juros.

Outro ponto relevante sobre a importância desse “parâmetro” é que, diversas vezes, ele é o responsável pelas atuações do Banco Central. Você já se perguntou o motivo pelo qual o BC atuou num dia em que a taxa de câmbio não estava subindo ou até mesmo estava em queda? Seria uma atuação baseada num patamar de taxa de câmbio ou num patamar de cupom cambial? Muitas vezes a atuação é pautada na segunda opção. Pode haver alguma disfunção no mercado, como falta de liquidez, que faça com que não se tenha oferta de venda de dólar spot e o cupom do casado atinja um patamar tão elevado a ponto que se faz necessária a intervenção do BC, que também tem como compromisso institucional assegurar o bom funcionamento do mercado de câmbio.

Dito isso, chegamos ao fim de uma trilogia de textos. Muitos autores procuram pacificar o tema em suas teses, mas meu objetivo era um pouco diferente: deixá-los com mais questionamentos na cabeça em busca de mais conhecimento sobre o tema. Provocar um pouco do entendimento “além da taxa” e ir até o “porquê da taxa”. Isto pode ser muito útil.

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Nota

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