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Regra da CVM para relatórios pode mexer com valuation das empresas, alertam especialistas

Regra da CVM para relatórios pode mexer com valuation das empresas, alertam especialistas

Regra da CVM para relatórios pode mexer com valuation das empresas, alertam especialistas Foto Pixabay

Especialistas apontam que Resolução 193 da CVM vai expor fragilidades de companhias não preparadas para riscos climáticos e pode pressionar múltiplos de avaliação a partir de 2027

A partir de 2027, analistas e investidores terão acesso a relatórios com informações que nunca estiveram disponíveis: quanto uma seca, enchente, emissões de carbono ou nova regulamentação climática pode custar efetivamente para cada empresa da bolsa. Com números auditados e comparáveis, a Resolução 193 da CVM promete reorganizar como o mercado avalia companhias expostas a riscos climáticos.

Até hoje, parte das empresas brasileiras da bolsa reportam questões de sustentabilidade, mas de forma voluntária e com autonomia para definir como fazer isso. A partir de 2027, isso muda radicalmente: elas terão que detalhar, em reais, quanto os riscos climáticos podem impactar seus resultados, seguindo regras padronizadas e com auditoria obrigatória.

As empresas da B3 terão que seguir os padrões internacionais do International Sustainability Standards Board (ISSB) através das normas IFRS S1 (geral) e IFRS S2 (clima). Neste primeiro momento, o foco será na transparência climática, mas nos próximos anos devem ser implementadas regras para transparência sobre biodiversidade e capital humano.

“Os números vão chamar atenção porque só devem ser reportados os valores realmente relevantes para a empresa”, explica Clayton Codo, especialista em ESG e sócio de auditoria da Grant Thornton, em entrevista ao Suno Notícias. “Se chegar a ser reportado, é porque é significativo – seja desembolso de caixa ou queda na receita. Isso vai começar a chamar atenção quando os relatórios mostrarem as fragilidades.”

Ele destaca que a adoção de um único padrão de divulgação vai facilitar a comparação entre companhias do mesmo setor, permitindo que investidores façam análises mais consistentes. “Analistas vão ver estes dados e começar a fazer questionamentos, e isso deve afetar valuation da companhia”, projeta Codo. “Por que uma vai ser mais impactada que outra, e você vai repensar qual empresa está melhor posicionada e em qual setor você vai investir.”

Agronegócio, elétrico e bancos na linha de frente

Os setores que mais devem sentir o impacto da nova transparência são agronegócio, elétrico, bancário e indústrias intensivas em carbono, segundo Daniele Barreto e Silva, especialista em ESG da Grant Thornton.

Agronegócio: Empresas terão que quantificar perdas potenciais com secas, enchentes e mudanças no regime de chuvas. Além disso, segundo Codo, o setor ligado ao gado enfrenta desafios adicionais por suas altas emissões de gás metano, o que exigirá calcular custos de adequação às futuras regulamentações de carbono.

Setor elétrico: A exposição é dupla. Hidrelétricas perdem receita com escassez de água, enquanto distribuidoras enfrentam prejuízos com tempestades. As empresas terão que reportar custos com reparos em redes elétricas e atendimento emergencial após eventos climáticos extremos.

Setor bancário: Os bancos terão que reportar emissões de carbono financiadas e quantificar riscos de financiamento indireto ao desmatamento, o que pode afetar particularmente instituições com grande exposição ao agronegócio e setores intensivos em carbono.

Padronização e maior rigor nos relatórios de sustentabilidade

Uma das principais mudanças será cultural. Muitas empresas hoje usam relatórios de sustentabilidade para comunicação corporativa, com diferentes níveis de rigor técnico e auditoria. Segundo Codo, algumas empresas ainda resistem à mudança porque estavam acostumadas com a flexibilidade dos relatórios voluntários, algumas sem asseguração independente.

Com a nova regra, empresas que usavam relatórios como peça de marketing terão que divulgar dados que prefeririam não publicar e ainda assegurá-los. O resultado será uma “equalização” do mercado: “se [uma empresa] tem excelente relatório e outra empresa não faz, a que faz tende a valer mais que a outra. Agora a gente zera este jogo porque as duas vão ter que reportar com os mesmos critérios.”

Corrida para se preparar para CVM 193 já começou

Embora os primeiros relatórios só sejam divulgados em 2027, o trabalho de preparação precisa começar já em 2026, e muitas empresas estão atrasadas. Daniele relata que as conversas com empresas se intensificaram muito nos últimos dois meses, com todo mundo deixando um pouco para a última hora.

O desafio não é simples. As empresas precisam estruturar três grandes blocos: implementar a norma de report, todos os controles internos relacionados às informações e o processo de asseguração, área em que muitas não tinham conhecimento, explicam os executivos.

A exigência de asseguração em nível razoável (o mesmo padrão de rigor usado nas demonstrações financeiras tradicionais) adiciona complexidade. Segundo Daniele, muitas vezes falta sistema de informação robusto dentro das companhias, e a CVM pediu um nível mais alto de asseguração que exige controles internos, com auditores precisando verificar esses controles.

Reorganização do mercado de capitais

Até agora, apenas Vale (VALE3) e Renner (LREN3) fizeram divulgações antecipadas seguindo os padrões IRFS S1 e S2.

A mudança promete trazer mais racionalidade ao mercado ESG brasileiro. Com números auditados e comparáveis, investidores terão ferramentas mais precisas para avaliar seus investimentos.

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