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Cade adia suspensão da moratória da soja e reacende disputa entre mercado e governo

Cade mantém moratória da soja até 2026.

Colheita de soja. Foto: Pixabay

Por maioria, o plenário do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidiu aplicar a medida preventiva que suspende a moratória da soja apenas a partir de 1º janeiro de 2026.

O relator, conselheiro Carlos Jacques, e o presidente da autoridade da concorrência, Gustavo Augusto Freitas de Lima, foram os únicos dos seis integrantes do Cade a defenderem a retomada da vigência da medida preventiva. Jacques acompanhou a manifestação de 18 de agosto da Superintendência Geral (SG) do Cade, área técnica do órgão, e votou para manter a preventiva.

Em 18 de agosto, a SG impôs a medida preventiva e instaurou processo administrativo contra as associações e empresas integrantes do Grupo de Trabalho da Soja (GTS), que são signatárias do acordo conhecido como moratória da soja, por considerar um acordo anticompetitivo entre concorrentes que prejudica a exportação de soja.

A medida preventiva determina que o Grupo de Trabalho da Soja se abstenha de coletar, armazenar, compartilhar ou disseminar informações comerciais referentes à venda, produção ou aquisição de soja, bem como que se abstenha de contratar processos de auditoria. Seus membros devem também se abster de compartilhar relatórios listas e documentos que instrumentalizem o acordo, bem como retirar a divulgação de documentos relacionados à moratória de seus sítios eletrônicos. A penalização pelo descumprimento da medida preventiva é multa diária no valor de R$ 250 mil.

Dias depois dessa decisão da área técnica do Cade, em 20 de agosto, a Justiça Federal suspendeu, por meio de uma liminar, a decisão preliminar e que determinou a paralisação da moratória da soja não poderia ocorrer até que houvesse o julgamento do recurso administrativo apresentado pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) pelo tribunal do órgão concorrencial – o que ocorreu nesta terça-feira.

O pacto multissetorial firmado entre setor privado (tradings e compradores de grãos), organizações não governamentais e órgãos do governo, prevê a não comercialização, o não financiamento ou a aquisição de soja produzida em áreas desmatadas na Amazônia.

A sessão de julgamento que analisa a moratória da soja foi acompanhada presencialmente pelas diversas partes interessadas e também pelo superintendente-geral do Cade, Alexandre Barreto. Excepcionalmente hoje, o órgão instalou detectores de metais na entrada do auditório onde aconteceu a sessão.

Os votos

O relator Carlos Jacques apontou indícios de uma infração da ordem econômica, por se tratar de um acordo entre concorrentes, que versa sobre variável competitiva relevante, com número elevado de tradings. “Mas isso não é necessariamente um cartel, muito longe, aliás, de ser um cartel. É uma cooperação, provavelmente”, ponderou.

Ele sustentou que a não adoção da medida preventiva é prejudicial à concorrência. “Não há dúvidas de que a moratória da soja possui o condão de operar sérios efeitos anticompetitivos no mercado”, destacou o voto do relator.

Em seguida, o conselheiro José Levi do Amaral Júnior abriu divergência e foi acompanhado pelos conselheiros Victor Fernandes, Diogo Thomson e Camila Cabral.

Em seu voto, José Levi citou a liminar da Justiça Federal e a decisão vigente do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspende até 31 de dezembro de 2025 norma estadual que veda benefícios para empresas participantes de acordos da espécie da moratória da soja. Ele frisou que a moratória da soja possui natureza privada, é integrada por diversos entes públicos e privados e vem sendo reconhecida como instrumento de fomento ao desenvolvimento sustentável.

O conselheiro afirmou que, para fazer valer a decisão vigente e vinculante do STF, seria adequado manter suspensa a eficácia da medida preventiva adotada pela SG até 31 de dezembro de 2025. Esse tempo será destinado para diálogo entre as partes privadas e os agentes públicos, como colocou o ministro do STF Flávio Dino. “Nestes termos, penso eu, a decisão do Cade fica rigorosamente alinhada ao quanto se tem, até aqui, do Supremo Tribunal Federal.”

Por sua vez, o conselheiro Fernandes ressaltou que esse é um tema que está em voga no mundo todo, com autoridades antitrustes de vários países publicando guias sobre acordos de sustentabilidade, mas com divergências sobre a forma de compatibilizar os acordos com a defesa da concorrência. “Entendo que o papel central que o Cade pode ter neste momento é o de identificar os casos de acordo de sustentabilidade que, a princípio, não geram preocupações concorrenciais relevantes”, sustentou.

Thomson pontuou que a complexidade do arranjo e suas especificidades demandam análise mais aprofundada pelo órgão antitruste.

“No presente caso, os elementos que caracterizam cartel de compra ou não foram observados ou permanecem inadequadamente explorados nos autos, dado inclusive o caráter inicial do processo administrativo”, observou.

Por sua vez, a conselheira Camila Cabral ressaltou que a adesão ao pacto é voluntária e possui metodologias públicas. “A posição mais cautelosa neste momento é reconhecer a insuficiência de indícios de danos concorrenciais”, defendeu ela, frisando que é preciso completar a instrução probatória.

Ao proclamar o resultado, Gustavo Augusto, que votou com o relator, defendeu que o prazo adicional para a aplicação da preventiva, de três meses, dará tempo para as empresas entrarem em conciliação e eventualmente se adequarem. Mas ele observou que não tem visto esse cenário acontecer. “Eu estou vendo as empresas partindo para a briga.”

O presidente indicou ainda que, até o final de 2025, os órgãos ambientais podem normatizar essa política pública através de medida provisória, decreto, resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) ou outro instrumento. “Eu não vou dizer qual o instrumento, porque isso não me cabe, mas faz-se um normativo, garantindo que seja de uma forma não discriminatória”, defendeu.

Recentemente, a União entrou como terceira interessada no processo administrativo que analisa a moratória da soja, por intermédio do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O governo federal é apoiador da moratória e representantes dos órgãos envolvidos se reuniram nos últimos dias com o relator e outros conselheiros para apresentar a posição favorável ao pacto como “política pública consolidada de combate ao desmatamento ambiental” e pelo reconhecimento da legalidade do acordo.

Havia preocupação dentro do governo Lula de que o acordo fosse suspenso às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), que será sediada em Belém (PA) no próximo mês de novembro. A suspensão da moratória da soja neste momento poderia respingar de forma negativa sobre o governo perante a comunidade internacional.

Com Estadão Conteúdo

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